Um acordo de conciliação foi assinado entre a empresa Trust Agro Company e 16 famílias que moram numa área de conflito agrário, com ordem de despejo, no distrito de Conselvan, município de Aripuanã, 960 km de Cuiabá, na sexta-feira (1/11). O caso, considerado um marco histórico pela Defensoria Pública de Mato Grosso, foi solucionado na terceira audiência, que durou 14 horas, e ocorreu após duas tentativas frustradas de resolução.
Na sessão de conciliação feita no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), no Fórum da cidade, a empresa garantiu que manterá as famílias que assinarem o acordo na área, em 50,82 hectares de terra, na comunidade de São Jorge. E que, aqueles que tiverem área maior que os 21 alqueires, serão indenizados pela terra excedente e pelas benfeitorias, após visita ao local e avaliação mercadológica.
O defensor público do Núcleo Agrário da Defensoria Pública de Mato Grosso, Fábio Barbosa, que integra a Comissão Regional de Soluções Fundiárias, avalia que o acordo foi um marco, pois na primeira sessão de conciliação, apenas duas famílias foram consideradas vulneráveis e na terceira, que gerou o acordo, o número subiu para 55.
“Ao integrar a Comissão, a Defensoria Pública analisou as informações do processo, visitou o lugar, coletou dados sobre o perfil dos moradores da área, documentos pessoais e contratos que os moradores mantinham, indicando que tinham pago pela terra. Fizemos georreferenciamento, fotos e questionamos os dados apresentados no processo, sobre o número de vulneráveis ali. O nosso questionamento foi acatado e conseguimos subir o número de vulneráveis de duas famílias para 55. Isso, já foi uma vitória”, comemora o defensor.
Barbosa explica que, mesmo sem conseguir acordo na primeira sessão, sugeriu ao advogado da empresa que considerasse a possibilidade de garantir uma área, na comunidade, para que as famílias pudessem ficar ali. E na ocasião, o advogado chegou a sugerir a cessão de algo em torno de 250 hectares. Porém, desde que os dados sobre a realidade da comunidade foram levantados, o tamanho da área também está em negociação.
“Percebemos que existe uma dificuldade em levar, para os processos, a realidade das pessoas simples que vivem o conflito por terra no Estado. Essas famílias mesmo, a maioria delas vieram de Rondônia em busca de terra mais barata aqui. São pessoas simples, uma das famílias, por exemplo, planta café. Todos pagaram pela terra. Porém, um dia foram surpreendidas com a ordem de despejo e, apesar de terem advogados, o processo é longo e eles, geralmente, saem perdendo”, conta o defensor.
Dos 18 representantes de famílias que compareceram na audiência de conciliação, dois não assinaram o acordo porque pretendem avaliar melhor a questão, já que têm uma área maior e antes, querem saber o valor, em dinheiro, que será pago por hectare. Além dessas duas famílias, as outras 37 que não puderam comparecer no Fórum no dia primeiro de novembro, terão outra oportunidade no dia 10 de dezembro, quando outra sessão será realizada.
O acordo foi homologado pelo juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça e membro da Comissão de Soluções Fundiárias, Eduardo Calmon de Almeida Cézar, que coordenou os trabalhos da audiência autocompositiva. Mas a sessão contou também com a participação da juíza da comarca de Aripuanã, Rafaella Karla Barbosa, da servidora da CGJ, Keila Souza da Cunha e os mediadores judiciais do Poder Judiciário de Mato Grosso, Sebastião José de Queiroz Júnior e Romeu Ribeiro Primo.
Histórico
O processo foi encaminhado pela Vara Regional Agrária de Cuiabá à Comissão de Soluções Fundiárias em 2023, em conformidade com a Resolução nº 510/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa resolução regulamenta a criação de comissões nacionais e regionais de soluções fundiárias, que atuam para evitar ações violentas e incompatíveis com a dignidade humana. A mediação de conflitos é usada para pacificar situações em que existam ordens de despejos ou reintegrações de posse envolvendo populações vulneráveis.
A Comissão se reúne uma vez ao mês e, em todos os processos que existem conflitos em que há vulneráveis como parte, as inspeções no lugar são feitas. “Essa conciliação foi a primeira em que a Comissão teve uma participação ativa no levantamento de dados e na condução da conciliação, por esse motivo, a consideramos um modelo, uma referência a ser seguida a partir de agora. Ela durou mais de 14 horas porque a situação de cada família foi ouvida e acordada, pontualmente, com base na oferta única da outra parte”, disse o defensor.
Sistema de Atendimento Fundiário (SAF)
A Defensoria Pública criou um sistema que busca, na área do conflito, detalhes sobre a ocupação; dados socio-territoriais, visualização individual da área por fotos e vídeos, levantamento de documentos pessoais e outros relacionados à posse e permanência de vulneráveis na área. E, a partir desses dados, oferece auxílio no relatório de inspeção e também na conciliação. Diante dos elogios do processo, por considerar a individualidade de cada envolvido no conflito, o órgão ofereceu o sistema para que a Comissão Regional de Soluções Fundiárias o use, como padrão, em todas as inspeções futuras de conflitos avaliados pela Comissão, a partir de agora.