Em uma época de crescente preocupação com o futuro do emprego no cenário de desenvolvimento da inteligência artificial (IA), artesões reunidos em uma feira no Rio de Janeiro apostam na criatividade humana para geração de renda e participação na economia.
“Contra a criatividade do ser humano, não tem para ninguém. Sempre estão renovando, inventando, o artesanato é tudo”, diz a artesã Andreia Pugliese, que trabalha com a fabricação de laços. Ela tinha acabado de sair de uma oficina de pintura em couro quando conversou com a Agência Brasil sobre como via o futuro do artesanato e da IA.
Andreia estava acompanhada da também artesã Cátia Benigno, que não vê a IA como uma adversária.
“A inteligência artificial veio para somar e não para tomar lugares. É o novo, assusta, mas não vai tomar o lugar da nossa inteligência, da nossa criatividade. Então, não tem que ter medo”, diz ela, que trabalha com biscuit – massa de modelar feita de porcelana fria – e pintura em tecido.
A artesã Andréia Pugliese participa da Feira Rio Artes para capacitação e negócios em economia criativa Tânia Rêgo/Agência Brasil
As duas participaram nesta quarta-feira (9) do primeiro dia da Feira Rio Artes 2025, que vai até domingo (13), no Centro de Convenções Expomag, região central do Rio de Janeiro.
O evento reúne expositores de várias cidades fluminenses, espaço para comercialização e oficinas voltadas à economia criativa, ramo que concentra atividades como artesanato, design, moda, artes cênicas e decoração.
7 milhões de empregos
Um levantamento feito pelo Observatório Nacional da Indústria, núcleo de inteligência e análise de dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), apontou que a economia criativa representava 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB) – total de produtos e serviços produzidos no país – em 2023.
Ainda de acordo com o estudo, no fim de 2022, a economia criativa empregava 7,4 milhões de pessoas e deve elevar esse contingente para 8,4 milhões até 2030. Isso representa expectativa de que um a cada quatro empregos criados nos próximos anos seja em setores e ocupações ligadas à criatividade. A pesquisa inclui nesse ramo atividades como publicidade e tecnologia da informação (TI).
O coordenador da Rio Artes, Roberto Santos, define a economia criativa como todas as pessoas que desenvolvem atividades e transformam “algum insumo em um produto comercializável, com a sua própria característica”. É uma ligação entre os valores econômico e criativo.
Feira Rio Artes para capacitação e negócios em economia criativa, no Rio de Janeiro Tânia Rêgo/Agência Brasil
Valorizar os produtos
Para o coordenador, “é um campo muito grande a ser conquistado ainda”. Ele acredita que a feira é um espaço para circulação de conhecimento que leve à valorização do trabalho do artesão. Uma das formas é a partir do esforço de agregar valor aos produtos.
“A gente ensina procedimentos para os artesãos de como valorizar, precificar sua arte, de comprar melhor o seu insumo, de como embalar o seu trabalho. Isso tudo é um custo do artesão, e ele tem que colocar esse custo”, diz.
“Tem artesão que, às vezes, diz que vende muito, mas quando vai fechar a conta, ele pagou para vender”, constata.
Roberto Santos compartilha da ideia de que a IA não é uma ameaça para o setor de economia criativa. “A produção acontece através das mãos das pessoas”, afirma.
“Eu não vou ter um robô fazendo artesanato. Eu acho que as ferramentas da inteligência artificial podem agregar a impulsionar a economia criativa, mas não ser fator decisivo dentro da economia criativa”.
A feira conta com a participação da Secretaria estadual de Cultura e Economia Criativa, Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Meio ambiente
Um dos espaços de exposição e comercialização era ocupado pela Federação do Artesanato do Rio de Janeiro (Faerj), que reúne 1,5 mil artesões de associações espalhadas por quase todo o estado.
Além de tesoureira da federação, a artesã Cintia Miller vendia itens de crochê, bolsas, peças de vestuário, adereços, itens de decoração e bijuterias. A Faerj se dedica a articular com autoridades políticas públicas voltadas à profissão de artesão.
“A nossa luta é justamente por isso, valorizar o trabalhador manual”, conta. “Com essa questão da inteligência artificial, eu acho que muita gente vai perder o emprego em outros setores, mas eu acredito que no artesanato ela não afete tanto”, prevê.
Cintia Miller participa da Feira Rio Artes, no Rio de Janeiro Tânia Rêgo/Agência Brasil
Em um mundo com grande preocupação com a conservação do meio ambiente, ela destaca o papel do artesanato como atividade econômica que preserva o planeta.
“Temos pessoas que fazem seu trabalho artesanal, fazem escultura com aquilo que vai para o lixo. Para a gente, é tudo matéria-prima”, diz, enquanto aponta no estande a miniatura de um barco feito com madeira descartada e uma bolsa confeccionada a partir do que um dia foi câmara de ar de pneus.
Projeto de Lei
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 2.732/2022, apresentado em novembro de 2022. O texto institui a Política Nacional de Desenvolvimento da Economia Criativa (PNDEC).
A matéria prevê incentivos ao setor, como parcerias entre empresas e universidades para qualificação profissional e desenvolvimento de infraestrutura para os setores criativos.
Com base em dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), o texto de justificativa do PL destaca a crescente relevância do setor para a economia, saltando de 2,09% do PIB em 2004 para 2,91% em 2020.
O PL já passou pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e agora está na Comissão de Cultura.