Quais as chances de a laqueadura e a vasectomia falharem? Circula no TikTok há algumas semanas mais um relato de uma mulher que engravidou do parceiro vasectomizado há 10 anos. Assim como na maioria dos casos, os dois tiveram que recorrer a um teste de DNA para confirmar a paternidade.
Isso ocorre porque a laqueadura (contraceptivo cirúrgico para mulheres) e a vasectomia (esterilização masculina) têm 1% de chance de falhar – segundo a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), estes são métodos com 99% de eficácia.
Ter ciência dessa possibilidade de falha dos procedimentos é essencial, visto que eles se tornaram mais acessíveis aos mais jovens recentemente, quando entrou em vigor a Lei 14.443/2022.
As principais mudanças da legislação, original de 1996, foram:
• Agora, as mulheres e homens podem fazer laqueadura e vasectomia, respectivamente, a partir dos 21 anos (anteriormente era após os 25 anos);
• Quem tem, pelo menos, dois filhos vivos poderá fazer o procedimento mesmo com menos de 21 anos;
• Não é mais necessário consentimento do cônjuge para a cirurgia;
• A mulher pode fazer laqueadura após o parto, o que não era permitido antes (mas ela deve solicitar o procedimento com 60 dias de antecedência).
Para evitar a esterilização precoce, a lei manteve a exigência de que a solicitação da cirurgia seja feita por escrito e reconhecida em firma. Esse processo sucede a conversa com o médico ou com o posto de saúde.
Até fevereiro de 2023, segundo dados do SIHSUS (Base de Dados do Sistema de Informações Hospitalares), o número de vasectomias ambulatoriais e hospitalares realizadas na rede pública foi de 2.779 e 9.113, respectivamente.
Considerando o mesmo período, a laqueadura tubária totaliza 9.012 procedimentos. Já a cirurgia logo após o parto cesariano, permitida pela nova legislação, soma 9.015.
A laqueadura é considerada uma cirurgia simples, com uma taxa de falha que varia entre 0%, 0,5% e 1%. Isso porque ela bloqueia um canal fundamental à fecundação.
“O espermatozoide vai até o final da trompa, ao terço que chamamos de distal, que fica em cima do ovário, e ali ele encontra o óvulo – lá ocorre a fecundação. Depois de cinco ou seis dias, ele [vai] e cola na parte de dentro do útero – processo chamado de nidação. Então se você interromper a passagem do espermatozoide até o óvulo, não vai acontecer a fertilização”, explica a ginecologista Ilza Maria Monteiro, vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Febrasgo.
Essa obstrução da trompa ocorre por meio de uma secção (divisão). Ou seja, é retirada uma porção das tubas uterinas.
“Corta os dois cotos [parte superior da trompa] e faz ou uma cauterização [queima], quando é feito por laparoscopia. Quando é feito por cirurgia aberta, que chamamos de laparotomia, é dado um ponto – faz um nó de cada lado. Retira uma porção que varia em torno de 0,5 cm, 1 cm ou 1,5 cm. Essa é a laqueadura tradicional”, relata Ilza.
Além da cauterização, há também a possibilidade bloquear a região com grampos ou anéis cirúrgicos, por exemplo. Mas o método mais utilizado é a queima, porque ela causa um dano que impede o coto de se recuperar.
De forma geral, atualmente, é uma cirurgia que não traz desconforto, quando feita corretamente, porque a laparoscopia (técnica de vídeo) exige apenas um corte em volta do umbigo e na parte inferior do abdômen (região inguinal). Antigamente o corte era parecido com o da cesárea (cerca de 10 cm), o que exigia mais da paciente.
Com a nova lei, ela também pode ser realizada após o parto, uma vantagem às mulheres que já têm certeza sobre o procedimento.
“Quando a mulher faz a laqueadura após o parto, por exemplo, por um parto normal, o que fazemos? Nessa fase o útero ainda está muito grande, [então] é feito um corte em volta do umbigo, porque conseguimos pegar a trompa através desse corte sem precisar da videolaparoscopia, porque o útero grande deixa a trompa lá em cima. Quando ele regride, não dá mais”, diz a ginecologista.
A certeza sobre a cirurgia é exigida não apenas após o parto, mas em todos os casos. Para a especialista, a laqueadura tem de ser uma opção quando não há mais nada a ser feito.
“Ela [cirurgia] está indicada quando realmente você não consegue, com os métodos reversíveis que você tem disponíveis, oferecer satisfação. [Por exemplo], a pessoa coloca DIU, expulsa. Põe implante, não para de ter escape. Não pode tomar pílula. Enfim, você vai fechando todas as possibilidades”, alerta Ilza.
Isso porque métodos como DIU e implantes, de acordo com a ginecologista, têm eficácia semelhante à laqueadura e podem ser reversíveis.
“É importante que as mulheres saibam que o arrependimento pode acontecer. Tem que, realmente, não ter outra forma de evitar. Não é uma coisa que dá para se considerar reversível, ao contrário, a princípio, é irreversível. Se der para reverter, é outra história”, adverte.
Não são todos os casos em que há uma remota possibilidade de reverter a cirurgia, mas eles existem.
“É feito uma nova laparoscopia e se observa quanto sobrou de coto, porque [para reverter] eu preciso fazer a retirada da parte que foi danificada, aí a trompa volta a se abrir. Você imagina uma bexiga que estava amarrada em cima, você tirou o nó, ela volta a ter um buraquinho. Então esse coto vai ter que ser ligado no outro […] Dependendo das condições da trompa, você pode ter alguma recuperação, [em torno] de 40% ou 50% nas melhores condições”, explica Ilza.
É um processo complicado, feito com fios extremamente finos e em etapas. Quando não é possível essa reversão, as mulheres têm de recorrer a fertilização in vitro, um procedimento de alto custo.
Existe também a chance de a laqueadura falhar – esse risco aumenta com o tempo – em razão da reanastomose (recuperação espontânea do coto). Mas, assim como os processos citados anteriormente, não se pode contar que irá ocorrer.
A vasectomia é uma cirurgia segura realizada com anestesia local ou geral. Ela é relativamente rápida e dura em torno de 45 minutos a 1 hora, às vezes, menos – depende da experiência do profissional.
A operação consiste em um corte nos dutos deferentes – canais que levam os espermatozoides dos testículos ao pênis – para interromper o fluxo dos microgametas, não do esperma.
Semelhante à laqueadura, é feita secção e cauterização de cada extremidade cortada. Mas, diferente dela, exige um cuidado maior com o período pós-cirúrgico.
“O homem precisa manter o método contraceptivo vigente da esposa, seja preservativo, pílula via oral ou DIU, porque ele ainda ejacula espermatozoides após a cirurgia”, alerta o urologista Daniel Suslik Zylbersztejn, membro titular do departamento de infertilidade da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia) e coordenador médico da Fleury Fertilidade.
Segundo o especialista, por essa razão, a relação sexual sem proteção contraceptiva só é liberada cerca de 2 a 3 meses após a cirurgia, quando é feito um espermograma.
Se o exame constatar azoospermia (ausência de espermatozoides), ele recebe permissão para ter relações sexuais sem proteção.
“A chance desse homem engravidar sua parceira [após a azoospermia] não é zero, mas é próximo de zero. É muito raro. Esse número é um caso para cada dois mil pacientes operados [0,0005%]”, diz Suslik.
Mas, esse baixo risco não anula a necessidade do uso da camisinha, tanto para homens, quanto para mulheres, já que os perigos de contrair uma IST (infecção sexualmente transmissível) continuam os mesmos.
Para além disso, os rumores de que a vasectomia causa impotência sexual ou câncer de próstata são falsos. O urologista reitera que é uma cirurgia que “não traz nenhum prejuízo para a saúde do homem.”
Em questões de irreversibilidade, a vasectomia tem de ser tratada como um procedimento irreversível. Ou seja, ela exige um planejamento familiar e o homem tem de estar 100% certo de sua decisão
Mas, ela tem uma possibilidade de reversão.
“Temos um procedimento cirúrgico que usa microscópio [para restaurar o fluxo de espermatozoides], só que esse procedimento de reversão não é coberto pelo SUS e por nenhum convênio, ele não está no rol da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar]”, relata Suslik.
Em razão disso, a cirurgia deve ser a última opção. Caso o homem esteja determinado a fazer, pode congelar o sêmen antes, em caso de uma mudança de decisão futura.
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