Na terça-feira (26), os ministérios da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores publicaram a portaria que condiciona a concessão do visto temporário a afegãos à vagas em abrigos que firmem acordo com a União. Especialistas e pessoas que atuam para receber refugiados do país asiático demonstraram preocupação com os termos da portaria.
Em nota divulgada no mesmo dia, as pastas justificaram a mudança na diretriz argumentando que buscam “promover o acolhimento humanitário dos imigrantes afegãos de forma segura, ordenada e regular”.
“A nova política pretende assegurar que, ao chegar no Brasil, os afegãos tenham acolhimento planejado, organizado e digno, de forma a melhor promover a integração local e a dignidade dos beneficiários, com segurança e preparação prévia”, diz a nota.
O único ponto de entrada de afegãos no Brasil é o Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, que, de acordo com informações repassadas pela prefeitura do município, é o endereço onde 48 pessoas da nacionalidade se abrigavam até a noite de quarta-feira (27) à espera de acolhimento. Ainda segundo a gestão municipal, as 257 vagas para acolhimento de migrantes e refugiados, sendo 207 geridas pela prefeitura e 50 pelo governo estadual, estão ocupadas.
Com a nova portaria, após a concessão do visto, que será emitido exclusivamente pelas Embaixadas do Brasil em Teerã, no Irã, e Islamabade, no Paquistão, o refugiado terá 180 dias para chegar ao Brasil. Até então, a autorização era dada ainda nas embaixadas de Moscou, na Rússia; Ancara, na Turquia; Doha, em Catar; ou Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.
O representante da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados no Brasil (Acnur), Davide Torzilli, defende que a presença de pessoas da mesma nacionalidade no acolhimento e, principalmente, a manutenção do núcleo familiar, podem ser fundamentais para que os afegãos fiquem no Brasil em definitivo.
O representante da Acnur disse que as autoridades devem adaptar as medidas de acolhimento conforme as singularidades de cada povo, e que pessoas sob risco e um clima de instabilidade, como é o caso dos refugiados, nem sempre conseguem se organizar para fugir e viajar conforme o planejado. “Muitas vezes, é uma questão de vida ou morte”, pondera.
Para Torzilli, a portaria publicada no dia 26 sinaliza o compromisso do governo federal com a questão. “Daí a importância de um olhar à chegada de refugiados com solidariedade”.
O advogado e mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) Victor Del Vecchio considera o Brasil uma boa referência, em termos de legislação migratória, pelo fato de atentar para diversos critérios de vulnerabilidade que asseguram a entrada e permanência no país. Entretanto, ele prevê ainda mais lentidão na emissão de vistos humanitários, com a redução de embaixadas incumbidas de cumprir essa função.
“Isso restringe geograficamente o local onde as pessoas podem dar entrada nos pedidos, e a gente sabe que os afegãos vão aonde é possível ir, não exatamente aonde escolhem. Ao restringir o número de locais que processam esses pedidos, a gente também está reduzindo a capacidade de processamento de uma demanda que já era muito maior do que a vazão”.
De acordo com Del Vecchio, “criar barreiras burocráticas para os fluxos migratórios não necessariamente impacta a diminuição. Muitas vezes, impacta somente o aumento da vulnerabilização com que esse processo ocorre. Ou seja, as pessoas continuam entrando, porque dão um jeito de vir, e isso faz com que acabem vindo de maneiras irregulares, ou, ainda, isso pode até aumentar a corrupção na ponta. Os vistos ficam mais escassos e você acaba privilegiando famílias que têm mais acesso a profissionais que atuam com esses processos e mesmo com corrupção de operadores dos sistemas”, explica.
Em nota à Agência Brasil, a administração do Aeroporto de Guarulhos diz que a responsabilidade pelo acolhimento dos afegãos é da Prefeitura de Guarulhos, que mantém um posto de atendimento humanizado com essa finalidade, estendendo o serviço a outros refugiados.
Edição: Fernando Fraga