O governo dos Estados Unidos voltou a executar condenados em presídios federais após 17 anos sem nenhuma morte. Entre julho e agosto, cinco prisioneiros foram executados no país pelas forças federais.
Mas isso não significa que ninguém foi executado no país durante todo esse tempo. Apenas no ano passado, 19 execuções aconteceram nos EUA, segundo o Death Penalty Information Center, organização civil norte-americana que mantém dados abertos sobre as condenações.
Porém essas 19 execuções foram todas estaduais. Nos EUA existem leis federais e estaduais prevendo a pena de morte. Há ao menos 30 normas diferentes para a pena capital no país.
- São 28 leis estaduais – uma para cada estado que autoriza esse tipo de pena;
- Uma segundo a qual o governo federal tem o poder de intervir e executar prisioneiros em qualquer um dos 50 estados;
- E uma do tribunal militar que pode sentenciar e executar seus condenados.
“A maior parte das punições nos EUA acontece no âmbito estadual”, disse Scott Phillip, professor de sociologia e criminologia na Universidade de Denver. “Os EUA não conduziram execuções federais nos últimos 17 anos porque não havia uma motivação política para que isso acontecesse.”
As punições federais são acompanhadas pelo procurador-geral do país, com a indicação do presidente dos Estados Unidos.
Phillip afirma que, apesar de ser difícil provar isso, o “timing” da volta das execuções “parece sugerir que ele [Trump] está atrás de votos”.
“Trump está concorrendo com uma plataforma da lei e da ordem”, explica o sociólogo .”Ele diz ser o único capaz manter a América em segurança, o único que está do lado da polícia e que, de alguma forma, os democratas não estariam.”
Não é a primeira vez
O pesquisador reforça, no entanto, que este tipo de tática política não é exclusividade do governo do republicano. Phillip lembra que durante a campanha presidencial de 1992, Bill Clinton – então governador do Arkansas e candidato democrata à Casa Branca – voltou ao seu estado para assistir a uma execução.
O condenado era Ricky Rector, homem acusado de matar uma pessoa dentro de um restaurante e atirar em policiais durante a negociação de rendição. Antes de ser preso, ele tentou tirar a própria vida. Sua condenação foi bastante controversa, porque foi apontada a possibilidade de ele ter distúrbios mentais, o que cancelaria a execução.
“Prisioneiros dos EUA recebem uma última refeição e ele teria dito aos policiais para guardarem sua sobremesa para depois, o que pode sugerir que ele [Rector] não entendia completamente que estava prestes a morrer”, explicou o professor de criminologia.
Clinton ganhou as eleições de 1992, com 370 votos nos colégios eleitorais e 43% dos votos populares.
5 executados em 2 meses
São condenados à morte nos EUA aqueles que mataram, mas cada um dos estados tem seus próprios critérios. Geralmente estão vinculados a assassinatos violentos, de crianças ou de policiais. Atos terroristas que resultam em morte também podem ser condenados à pena máxima.
Caso o governo federal entenda que o estado não aplicou a pena correta, ele pode se sobrepor a esta decisão tanto em estados onde a pena de morte está prevista como em estados onde não há esta punição.
Foi o caso de Dzhokhar Tsarnaev, um dos condenados pelo atentado de Boston em 2013. Ainda que o estado de Massachusetts não autorize a pena de morte, ele foi condenado em nível federal, mas a decisão foi retirada após a aprovação de um recurso.
O governo do presidente Trump, defensor da pena de morte para crimes graves, já realizou mais execuções federais do que nos 57 anos anteriores. Em apenas dois meses, entre julho e agosto, o governo federal dos EUA executou 5 de seus condenados à morte.
A morte de Mitchell foi a primeira na história recente do país em que um nativo-americano foi condenado e executado pela justiça federal, sem levar em conta a tradição do povo Navajo. Uma lei dos EUA dá direito aos povos tradicionais de decidirem se aceitam ou não a pena capital.
“O país é bastante dividido sobre o tema da pena de morte”, explicou Phillip. “Houve quem se manifestasse contrário por conta das raízes Navajo tanto do condenado como das vítimas, mas as pessoas se importaram mais com a gravidade do crime do que com suas circunstâncias.”
‘Vidas Negras Importam’
Scott Phillip é um dos autores do estudo “Whom the State Kills” (Quem o Estado Mata), publicado em 22 de agosto pela revista “Harvard Civil Rights – Civil Liberties Law Review”. No artigo assinado com o professor Justin Marceau, os sociólogos revelam que condenados por matar pessoas brancas têm menos chance de se livrar da pena de morte.
A publicação ocorre em meio ao debate sobre a violência policial e o racismo nos EUA. O país vive uma onda de protestos desde a morte de George Floyd, em maio. Os atos ganharam novo impulso recentemente após policiais balearem sete vezes Jacob Blake pelas costas.
“Podemos notar que a morte de uma pessoa branca é tratada como um crime mais sério porque o governo está mais disposto a mandar o assassino para a morte”, explicou Phillip. O estudo foi feito com base nos registros de condenações no estado da Geórgia, onde a pena de morte é autorizada.
A pesquisa mostrou que 22 dos 972 condenados a morte naquele estado por matar uma pessoa branca foram executadas, enquanto que dos mais de 1,5 mil condenados por matar pessoas negras, apenas duas execuções foram realizadas.