Medindo sete centímetros, o animal possui coloração verde vivo, com superfície lateral laranja brilhante, e foi encontrado pelos pesquisadores depois de percorrerem diversas trilhas de difícil acesso na região de Capão Bonito (SP), em 2011, em área de Mata Atlântica. Para chegar até o local, o grupo percorreu uma longa estrada de terra, seguida de cerca de 20 quilômetros de trilha.
A redescoberta ocorreu no escopo da criação do Parque Estadual Nascentes do Paranapanema (Penap), que constitui uma nova unidade de conservação no estado de São Paulo. A ação foi coordenada por Alexandre Camargo Martensen, docente no Centro de Ciências da Natureza (CCN), do Campus Lagoa do Sino da UFSCar, e hoje a área preservada é gerida pela Fundação Florestal do Estado.
“Esta foi uma das áreas que eu amostrei durante o meu mestrado e, desde então, busquei financiamento para detalhar os estudos com o objetivo de protegê-la”, lembra Martensen.
Descrição e características
No total, foram encontrados em Capão Bonito 16 indivíduos adultos, além de girinos. Uma das pererecas foi acrescentada à coleção do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP).
O registro trouxe dados inéditos e detalhados sobre a espécie, antes incompletos e pouco conhecidos, que envolvem características acústicas (gravação de sons emitidos pelo animal), morfológicas (forma, estrutura, tamanho, cor e tipo) e ecológicas (ambiente no qual o animal foi encontrado).
“Gravamos sua vocalização para conseguir, por meio de inteligência artificial, identificar estes cantos e, assim, buscar a espécie em outros locais, já que, até o momento, ela só foi encontrada em duas pequenas lagoas marginais do Penap”, explica Martensen.
Em relação às características ecológicas, a espécie foi encontrada em um local raro para ambientes de planalto, a lagoa marginal, diferente do tradicional riacho, que é mais comum nestas áreas. Segundo o docente, isto justifica o fato de o animal ter sido visto pouquíssimas vezes na natureza.
“Estas lagoas geralmente aparecem quando a água chega em ambientes de planície, planos, sem tanta variação de altitude, pois começa a perder a velocidade e a meandrar. Em planaltos, a água costuma descer bem rápido, por isso se formam riachos, com fundo de pedra e areia, não essas lagoas.”
O pesquisador explicou que as lagoas onde foi reecontradada a espécie de perereca estavam em um local específico de planalto, que tem meandros e rios abandonados, coberto com uma exuberante floresta aluvial, formando as lagoas marginais
“Foi neste ambiente que achamos as pererecas. Agora, no âmbito do meu projeto Jovem Pesquisador, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), tentaremos encontrá-las em outros lugares que tenham estas mesmas características peculiares”, registra.
Outro trabalho feito pelos pesquisadores foi o sequenciamento genético da espécie, o que permitiu compará-la com outras espécies próximas.
“As análises de DNA permitiram que detalhássemos seu grau de parentesco com as demais espécies já encontradas em museus, além de confirmarmos que se trata mesmo da Phrynomedusa appendiculata, uma espécie bem pouco conhecida”, informa o docente da UFSCar.
Importância e conservação
Segundo Martensen, a Phrynomedusa appendiculata é importante no controle de populações de insetos e serve de alimento para outras espécies. Além disso, por ser um anfíbio, ajuda no entendimento do equilíbrio ecológico.
“Por nascerem e crescerem em água e, depois, irem para a terra, são animais sensíveis a mudanças ambientais ou de qualidade da água, por exemplo”, enumera.
Após a redescoberta da espécie, os próximos passos envolvem ampliar os conhecimentos sobre ela, entendendo melhor a sua biologia e sua reprodução, inclusive para pensar em estratégias de conservação.
Para preservá-la, o pesquisador alerta que são necessárias ações que envolvem desde o controle de acesso ao local, até pensar em estratégias de manejo para recuperá-la em locais que talvez já tenha habitado e que não existem mais.
“As áreas de cabeceiras dos rios precisam permanecer protegidas e limpas, o que evita, além de doenças, trazer sedimentos morro abaixo, o que alteraria a qualidade da água e a capacidade do animal de sobreviver. Também é preciso entender o que o bicho precisa para sobreviver e reproduzir em determinado local. Às vezes é muito pouco, como água limpa e cobertura florestal”, avalia.
Mata Atlântica sobrevive
Redescobertas como esta mostram que, mesmo tão devastada pelo ser humano, a Mata Atlântica ainda conserva uma enorme diversidade de espécies; muitas delas, antes consideradas extintas, ainda sobrevivem em trechos da floresta.
“Uma hipótese para explicar este fato é que o enorme dinamismo da vegetação nativa – que, apesar dos desmatamentos, tem enormes ganhos de florestas devido à intensa regeneração natural – permite que as espécies consigam se acomodar ao longo do tempo e sobreviver. No entanto, serve como alerta para preservar essa rica biodiversidade e evitar, de fato, a extinção das espécies”, pondera Martensen.
Artigo original
O estudo original da descoberta desta espécie de perereca foi publicado na revista científica Zootaxa, em artigo com nome de Rediscovery of the rare Phrynomedusa appendiculata (Lutz, 1925) (Anura: Phyllomedusidae) from the Atlantic Forest of southeastern Brazil. Leia a íntegra aqui. Assinam a publicação, além de Martensen, da UFSCar, pesquisadores da USP, Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, Universidade do Porto (em Portugal), Universidade Federal do Rio De Janeiro (UFRJ) e Ecosfera Consultoria e Pesquisa em Meio Ambiente – todas instituições parceiras da pesquisa.
A expedição de campo foi financiada pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), e os estudos que buscam aprofundar as informações biológicas da espécie pela Fapesp.