O técnico em iluminação e som, Leandro Leite Silva, de 35 anos, falou sobre os dias em que ficou preso na Penitenciária Central do Estado (PCE), em Cuiabá, por um crime que não cometeu após um condenado usar os dados dele nas audiências para responder a processo por tráfico, formação de quadrilha e porte ilegal de arma.
“Esquecer mesmo, eu nunca vou conseguir esquecer. Porque foi ‘barra’ para mim. Mas espero que consiga nossa vida de volta, que melhore e que isso não aconteça mais comigo e nem com ninguém”, diz.
Leandro ficou 82 dias preso na Penitenciária Central do Estado (PCE), onde estão criminosos de grande periculosidade.
O trabalhador foi condenado em um processo julgado em Rondonópolis, a 218 km de Cuiabá. Ele ficou cerca de um mês sem conseguir falar com a família e quase vendeu um dos únicos bens que tem, a moto, para pagar um advogado, que sumiu.
“Passei natal, ano novo, aniversário da minha mãe, aniversário do meu filho mais novo.. tudo lá. Eu sempre corri daquele lugar. Para correr daquele lugar é [preciso] não fazer nada errado, não vender droga, não roubar, nada. Sempre quis ficar distante”, relata.
No dia 26 de outubro de 2020, Leandro preparava o almoço, quando foi chamado no portão de casa, por três policiais.
“No momento eu perguntei porque estava indo preso, disse que não tinha motivos. Aí me falaram que era por causa de tráfico”, conta.
O profissional conta que, no início, não estava acreditando.
“Até pensei que era brincadeira de alguém, uma brincadeira bem chata. A partir do momento em que cheguei na delegacia e me colocaram na cela, eu vi que era sério”, conta.
Sem dinheiro para pagar advogado, a mulher do leandro procurou a Defensoria Pública e levou a informação de que, apesar de ter sido condenado, o marido nunca tinha ido a uma audiência antes. A partir disso, o verdadeiro criminoso foi identificado.
O defensor público José Carlos Evangelista explica que a partir de 2012, o judiciário começou a gravar as audiências por sistema de mídia e a defensoria pediu essas imagens.
“Essa gravação foi o que salvou o Leandro. Quando confrontamos a atual imagem dele e imagem da gravação, era muito gritante a diferença entre os dois”, afirma.
Quem aparece nas imagens da audiência realizada em 2012 é Renan dos Anjos. Fotos nas redes sociais, inclusive, mostram Renan dentro de uma cela. Ele ficou preso por mais de um ano na Penitenciária Mata Grande, usando o nome de Leandro.
“No mínimo ele pegou esses dados como um ‘plano b’. Para, em uma eventual investigação, apresentar essa identidade falsa, ser condenado por e quando saísse não ser mais pego”, explica José Carlos.
Também nas redes sociais, Renan ostentava dinheiro e armas. Enquanto aguardava a sentença e a execução da pena em liberdade.
Aos 27 anos, ele foi morto em um confronto com a Rotam, em Várzea Grande, em 2014. Leandro conta que já havia visto Renan uma vez, mas nunca havia falado com ele.
“Não sei como conseguiu meus documentos”, conta o técnico.
Segundo o defensor José Carlos, não é raro esse tipo de erro ocorrer no estado.
“Já trabalhei em casos da própria família, um irmão ir no lugar de outro.. ou dar o nome dos pais. Muitas vezes, a pessoa não é presa com dados pessoais, de caso pensado, para dificultar a investigação”, afirma;
De acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública, o sistema penitenciário recebe a pessoa já qualificada pela autoridade policial e identificada, por meio de exame no Instituto Médico Legal (IML).
No ano passado, um sistema de biometria começou a ser implantado nas unidades penitenciárias do estado, o que deve ajudar na entrada e saída, movimentação e visitas.
O defensor fala que o estado deve indenizar a vítima.
“Há várias ofensas ao seu direito, o principal é o direito a liberdade, um dano absurdo. Imagine o que é ficar dentro daquele presídio, sabendo que é o maior do estado, que tem facções e criminosos mais perigosos. Mas mais do que isso, saber que sua família está lá fora e não saber o dia de amanhã. É irreparável o dano ao Leandro, mas o estado deve indenizar de alguma forma. E esse valor da indenização com certeza é maior que o gasto necessário para implantar um sistema no estado para identificar situações como essa”, conclui.
A Sesp informou, por nota, que em consulta aos bancos de dados disponíveis ao sistema penitenciário não foi localizada passagem em nome de Renan Briner dos Anjos, no período de 2009 até a presente data.
Já em nome de Leandro Leite Silva não constaram passagens pelo Centro de Ressocialização de Várzea Grande nem pela PCE, Anterior à prisão que ocorreu em outubro de 2020. sendo assim, as duas unidades penais não tinham parâmetro para confrontar com o indivíduo Renan, que em tese utilizou o nome de Leandro.