Mais uma moradora antiga de Lucas do Rio Verde contribui para que conheçamos um pouco mais da história dessa cidade que cresce a cada dia.
Nossa entrevistada da semana é Edir Souza da Glória, dona de casa natural de Toledo – PR, que veio de Juara para Lucas do Rio Verde em 07 de maio de 1988, acompanhada do esposo e do filho com 4 meses de nascido. A família ficou 2 anos na cidade, voltou para Alta Floresta e depois de 6 anos veio novamente para cá.
Vieram porque, segundo ela, “Juara estava falindo, não tinha mais nada lá”. Um casal de tios dela já morava aqui, e ambos disseram que Lucas era um lugar próspero.
“Mas quando chegamos aqui, encontramos praticamente uma “currutela”. A energia acabava às 10 da noite, poucas pessoas tinham geladeira. Aquela poeirona lascada, era tudo precário. O único prédio que existia era o prédio da Loja Natalina, que ficava na esquina das Avenidas Goiás e Rio Grande do Sul, em frente ao Del Moro. Onde é o Del Moro hoje, era o mercado Pato Branco, o mercado mais chique da cidade. O sr. Hildo Scherer estava terminando o prédio dele, e quando terminou, o cartão postal de Lucas eram esses dois prédios. Mas era uma época boa, todo mundo se conhecia, casas muradas eram raras. Algumas tinham cerca por causa dos animais, não existia essa preocupação com roubo. Era uma época boa. Sofrida, muito sofrida, mas era boa. Haviam poucas oportunidades de emprego, as dificuldades eram grandes”.
E Edir continua relatando suas lembranças: “Só existia um hospital (em frente à Praça dos Migrantes), um posto de saúde (CESP, no Pioneiro), de médica só tinha a Dra. Elisa, que atendia nos dois lugares. Não tinha farmácia municipal e nem farmácia popular. Mas tinha a farmácia do Tião e uma outra farmácia, e nós devíamos nas duas (risos). E o Tião era mais do que farmacêutico, era a quem a gente recorria quando não conseguia chegar ao CESP ou ao Hospital. Meu Deus, como era sofrido…”
A respeito da diversão daquela época, Edir disse que “havia festa de comunidade, festa junina, a Escola Ângelo Nadin era ali na esquina da Avenida Goiás, e quando a escola fazia uma festa era top, porque todo mundo se encontrava lá, todo mundo se conhecia. A Dom Bosco era na esquina dos Correios, onde era até esses tempos atrás o CEJA. A Comunidade Menino Deus não existia, missa era só na Matriz, que era pequenininha. A Comunidade Menino Deus foi a segunda comunidade de Igreja católica em Lucas, foi feito um rancho de pau-a-pique, de madeirinha daquela redondinha, onde foram celebradas as primeiras missas. As primeiras festas, nossa Senhora, era muito gostoso. Na época em que se colocava cerveja na serragem e gelo. Era bem difícil a situação, mas era uma época muito boa. Eu gostava daquela época”.
Ela ainda disse que os homens combinavam para jogar bocha ou futebol nos finais de semana, e as famílias acompanhavam. Segundo Edir, “aquilo virava um evento”. Outra diversão era a pesca, pois nos rios tinha muitos peixes. Costumava-se pescar no Rio Luquinha, que atravessa a cidade, e também no Rio Verde. Mas ela disse que já pescou muito piau no Luquinha.
E ela continua: “Naquela época, a gente comia muita carne de caça. Era carne de cateto, de ema, de anta, de capivara, o que encontrasse. Matava um bicho, o bicho era grande, não tinha como guardar, o que a gente fazia: chamava a quadra toda, toda a vizinhança e dava um pedaço para cada um. Quem tinha mais noção, salgava e fazia charque. Quem não tinha, distribuía. Aquele que tinha ganho o pedaço de carne, quando matava uma caça, devolvia para quem tinha dado primeiro. Era uma troca, e todo mundo respeitava. Podia criar bicho, galinha, porco, até vaca”.
Indagada sobre o que era melhor naquela época, Edir esclareceu de pronto que era a convivência. “Todo mundo se conhecia, os vizinhos, os pais dos alunos nas reuniões escolares, os frequentadores da igreja. Havia mais relacionamento com as pessoas, diferente de hoje, que você não conhece sequer o vizinho do lado. Existia mais entrosamento entre as famílias, coisa que hoje está bem difícil. Aquela época era sofrida, porque dava aqueles temporais de terra medonhos, cobria a cidade. Mas era uma época boa. Quando chovia, você não saía porque era um barro vermelho que escorregava. Eu morava no menino Deus e ia a pé levar meu filho para consultar no CESP, porque na época nem bicicleta eu tinha. Na época da seca, era a terra. Passavam os carros, te cobriam de poeira. Na época da chuva, era o barro, que você ia ‘resbalando’ (escorregando)”.
A cidade era pequena, com mata, mas havia dois moradores (os dois primeiros) do Bairro Rio Verde que tinham chácaras, e que eram conhecidos como “os cuiabanos”. Quando Edir, a família e amigos iam catar pequi no mato, passavam pelas chácaras, visitavam esses chacareiros, tomavam água, batiam papo e voltavam para casa. Era uma aventura, até catar pequi no mato era divertido. Ela e outras pessoas costumavam plantar taioba, inhame e agrião perto do rio, e ninguém mexia. Cada um tinha seu ‘pedacinho’ para plantar, e todos respeitavam.
Além dos inúmeros tombos na pinguela, um dos quais protagonizados por seu pai, Edir contou uma história no mínimo peculiar que aconteceu em Lucas. “Certa vez, tombou um caminhão de gás na BR. A carga foi saqueada, bastante gente levou botijão de gás para casa, feliz da vida. Não demorou, só deu o delegado andando de casa em casa para recuperar os botijões, pois alguém contou quem tinha levado. Como a cidade era pequenininha, ficou fácil para ele pegar de volta”. Depois de muitas risadas e uma saudade imensa de uma época tão distante, Edir dispara novamente: “Era uma época muito boa. Eu gostava daquela época”.