A violência contra a mulher está cada vez mais presentes nos noticiários. E não é para menos. Em 2020, o número de feminicídios aumentou 59% no Estado, totalizando 62 casos, ante 39 registrados em 2019, segundo os da Superintendência do Observatório de Segurança da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). A pandemia é apontada por especialistas como um dos fatores que podem ter contribuído este crescimento.
Mas até que o feminicídio aconteça, muitas vezes as vítimas passam por muitas situações que envolvem agressões físicas, psicológicas e patrimonial e encerrar o chamado ciclo da violência ainda nos seus primeiros episódios é essencial para preservar a vida das mulheres. Para isso, um aparato legislativo busca regulamentar ações para combater a violência, proteger as vítimas e buscar meios de reinserir estas mulheres na sociedade.
Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), a Câmara Setorial Temática da Mulher (CSTM) está finalizando um relatório que identifica as leis existentes para poder levar para a sociedade mais informações sobre os recursos legais disponíveis no Estado. A presidente da Câmara, professora Jacy Proença, explicou que este material deverá ser apresentado no próximo dia 08 de março, Dia Internacional da Mulher.
De acordo com a presidente, embora a CSTM não tenha a finalidade de executar as políticas públicas para inibir a violência contra as mulheres, algumas discussões foram promovidas no intuito de conscientizar acerca dessa necessidade.
“Alguns municípios já encamparam políticas que propusemos, a exemplo de Cáceres, Rondonópolis, Várzea Grande, em busca de efetuarem um trabalho em rede para o enfrentamento à violência”, afirma Jacy Proença.
Ter uma rede de amparo e acolhimento é essencial para quem tenta denunciar e por fim a um ciclo de violência. É o que diz a influenciadora digital e líder do Comitê de Combate à Violência Doméstica do Grupo Mulheres do Brasil, Mariana Vidotto. Ela precisou chegar no fundo do poço, se refugiar em outro país, até perceber a importância de denunciar o agressor às autoridades para assim evitar que outras mulheres fossem vítimas do seu ex-companheiro.
“O relacionamento abusivo começa de maneira sutil, geralmente com episódios justificados por outras situações, como traições em relacionamentos anteriores, insegurança, e aos poucos a violência vai se instalando. É chamado escalonamento da violência. São crises de ciúmes, depois agressões verbais, e geralmente seguidos de pedidos de desculpas, compensações materiais com presentes. E quando percebemos já estamos naturalizando a violência”, explica Mariana.
Para denunciar, Mariana entrou em contato com outras vítimas de seu agressor, buscou orientação de advogados, amparo psicológico e ainda assim ela lembra foi muito difícil.
“Mesmo com todo apoio e orientação, passei mais de 4 horas na delegacia, fui questionada pelas pessoas, inclusive por outras mulheres, sofri ameaças por parte do agressor, fui processada judicialmente por ele. As vítimas ficam muito expostas e por isso é tão difícil para as mulheres fazerem a denúncia, acreditarem que a Justiça será feita e ainda tentar recuperar sua personalidade, sua vida”, conta Mariana Vidotto.
A Procuradora Geral do Estado e presidente do Conselho dos Direitos da Mulher, Gláucia Amaral, explica que esta luta contra a violência e pelo reconhecimento dos direitos é recente e até 80 anos atrás a mulher era um indivíduo com direitos diferentes dos homens, não era vista como cidadã plena.
“A construção social do gênero feminino e masculino é recente. Às mulheres eram dados deveres e obrigações como cuidar da casa, ser fiel, todos impostos pelos homens, que inclusive tinham direito de ‘disciplinar’ as mulheres, muitas vezes com uso de violência”, relata a procuradora.
Para Karina Souza*, 31, psicóloga, o medo e a insegurança a impedIam de formalizar uma denúncia contra seu agressor, mas ela conseguiu pôr um fim no relacionamento antes que a violência física se concretizasse. Durante os três anos que conviveu com seu antigo companheiro, ela sofria violência psicológica e emocional, sendo muitas vezes humilhada. “Sempre que eu queria fazer algo de bom por mim, ouvia que não ia servir para nada, que ninguém mais gostava de mim. Ele sempre me diminuía e me fazia sentir inferior a ele”.
O fim do relacionamento chegou quando ela ficou doente e ele, ao invés de cuidar dela, passou a cobrar que os serviços domésticos fossem realizados e chegou a quebrar louças e eletrodomésticos em casa. “Naquele momento tive a certeza de que se não fizesse nada, ele iria me bater. Eu chamei a mãe dele e decidi me separar. Agora, 30 dias depois, ele voltou a me procurar, querendo me dar presentes e dinheiro como forma de compensar tudo que me fez”, conta Karina.
Informação – Alguns projetos de conscientização, leis e iniciativas de organização públicas e sociais buscam dar mais visibilidade à violência contra mulher e orientar sobre como conduzir quando um caso é identificado, seja pela vítima ou por outras pessoas. Como é o caso da lei 11.219/2020, sancionada ano passado, e que estabelece o serviço de denúncia permanente por meio de WhatsApp.
Já a Lei 11.098/2020, institui a Política Estadual para o Sistema Integrado de Informações de Violência Contra a Mulher no Estado de Mato Grosso, denominado Observatório Estadual da Violência Contra a Mulher, que apresenta diretrizes sobre como esta ferramenta deve reunir os dados sobre a violência, bem como divulgá-los. Há também a lei 11.252/2020, que dispõe sobre a divulgação do disque denúncia em locais como condomínios e prédios comerciais e residenciais.
A Lei 10.792/2018 propõe um trabalho voltado para crianças e jovens, com o Programa Maria Penha vai à Escola, visando sensibilizar e conscientizar os menos sobre violência doméstica.
Pandemia – Na Assembleia Legislativa Foram apresentados e aprovados alguns dispositivos legais sobre a violência contra a mulher em observação ao período de isolamento social. Uma delas é a lei 11.159/2002, que obriga o Estado a disponibilizar abrigo em hotéis para as mulheres vítimas de violência doméstica neste período de isolamento social.
De acordo com a presidente do Conselho dos Direitos da Mulher, Gláucia Amaral, não apenas o fato de todos passarem mais tempo juntos em casa desencadeou mais feminicídios, mas a crise econômica, o desemprego, a sobrecarga da mulher com os afazeres domésticos e cuidados com a crianças.
“Tivemos o aumento das funções domésticas, as crianças em casa também incrementaram as funções designadas a mulher. Tudo isso aliado à falta de perspectiva econômica, são situações estressantes que se instalam e acabam potencializando a violência”.
Eles por elas – Em Várzea Grande, um projeto voltado para conscientização dos homens sobre a Lei Maria da Penha, bem como sobre todos os tipos de violência, busca prevenir a prática de crimes contra mulher. “Papo de homem para homem” foi desenvolvido pelo delegado Cláudio Santana após ele identificar que a falta de conhecimento por parte dos homens sobre violência doméstica e sobre aspectos culturais que acabam desencadeando este tipo de crime.
“Esse trabalho foi idealizado na Delegacia da Mulher de Várzea Grande e ele se difere de outros projetos existentes porque é voltado para prevenção antes da ocorrência do crime. Fazemos um trabalho com homens em empresas, igrejas, faculdades para conscientização sobre o que é o patriarcado, questões do machismo, esses gatilhos que levam a pratica a violência doméstica. Antes da pandemia, atendemos mais de mil homens só no ano passado, houve uma redução das palestras neste período, mas o projeto continua na Polícia Civil”, explica o delegado Cláudio Santana.
De acordo com o delegado, não há resultados mensurados com relação ao projeto, porém muitos homens o procuram depois, na delegacia, narrando que situações de violência foram inibidas depois da conscientização sobre os crimes.
*Nome alterado para preservar a identidade da vítima.