A Justiça Federal de Mato Grosso, a pedido do Ministério Público Federal, suspendeu a normativa que permitia a invasão, exploração e vendas de terras indígenas ainda não homologadas. A decisão contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é do juiz Cesar Augusto Bearsi, da 3ª Vara de Mato Grosso, e foi assinada nessa segunda-feira (8).
A Funai informou que ainda não foi notificada sobre a decisão da Justiça, mas afirmou que, quando for intimada, cumprirá imediatamente.
No entanto, a Fundação diz que estuda a possibilidade de recorrer da decisão. “A Procuradoria Federal Especializada junto à Funai, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU), estuda o manejo do(s) recurso(s) próprios”, disse.
Já o Incra, em nota, se defende dizendo que não participou da elaboração da instrução, cabendo ao Instituto apenas a gestão do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), desenvolvido para certificação de imóveis rurais no país.
“Compete exclusivamente à Funai promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas”, afirma em trecho da nota.
O Instituto diz ainda que já foi notificado da decisão e que vai recorrer.
A Instrução Normativa nº9/2020 foi alterada pela Funai no dia 16 de abril deste ano e publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 22.
Com ela, a Declaração de Reconhecimento de Limites passou a servir como um documento de posse dado a imóveis privados que estivessem dentro do território indígena. Antes, esse documento era usado apenas como uma certificação de que a propriedade privada não invadia terras vizinhas ocupadas por indígenas.
No pedido de liminar com tutela de urgência, o MPF afirma que a normativa representa retrocesso na proteção socioambiental, incentiva grilagem de terras, conflitos fundiários, e restringe o direito dos indígenas ao seu território.
Na decisão, o juiz Cesar Augusto reconhece que as novas normas publicadas pela Funai prejudicariam os índios e vão contra a Constituição Federal que afirma que os indígenas têm os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Ainda conforme a Constituição, esses territórios destinam-se à posse permanente dos índios.
“São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”, diz trecho do artigo 6º da constituição.
A normativa da Funai, segundo o magistrado, anulou, inconstitucionalmente, essa proteção, reconhecendo a validade de propriedade privada onde talvez ela não exista.
“Essa atitude além de ferir a proteção aos indígenas, coloca em risco os particulares que criarão uma expectativa falsa sobre a propriedade, que depois pode vir a não ser realmente reconhecida. Isto também pode gerar inúmeras ações indenizatórias contra a União, por reconhecer como privada área que depois se mostre como indígena”, explica na decisão.
O MPF listou, na ação, as áreas que pretende que a Funai mantenha e inclua no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), e considere na emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites, além das terras indígenas homologadas, terras dominiais indígenas plenamente regularizadas e reservas indígenas.
O MP também pediu o mesmo quanto às terras indígenas de Mato Grosso em processo de demarcação nas seguintes situações: área formalmente reivindicada por grupos indígenas; área em estudo de identificação e delimitação; terra indígena delimitada (com os limites aprovados pela Funai); terra indígena declarada (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do Ministro da Justiça); e terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados.
Por sua vez, o juiz destacou que, em todas as áreas citadas pelo MP, já há pedidos de reconhecimento por parte dos indígenas ou pelo menos há estudos sobre o referido reconhecimento.
“Qualquer documento que venha a ser emitido pela Funai nessas condições é essencialmente um documento falso, que terá o significado de não existir terras indígenas onde, na verdade, pode haver”, ressaltou.
De acordo com o juiz, essa disputa pelas terras causaria dados a todos os envolvidos, pois se for reconhecida como terra indígena, todos os negócios jurídicos praticados serão anulados, causando “consequências patrimoniais e indenizatórias”.
O perigo de dano se faz presente dado às consequências danosas aos indígenas e aos particulares envolvidos, caso se mantenha a exclusão das áreas indicadas pelo MPF em razão da nova normativa da Funai. Por fim, não há falar em perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, pois o pedido de tutela de urgência formulado consiste em nada mais do que manter a situação que já existia antes da nova IN/9”, disse Cesar Augusto.
Mineração em terras indígenas
O presidente Jair Bolsonaro assinou, em fevereiro deste ano, um projeto de lei para regulamentar a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas.
O projeto também abre a possibilidade de as aldeias explorarem as terras em outras atividades econômicas, como agricultura e turismo. A exploração mineral e hídrica está prevista na Constituição Federal, mas nunca foi regulamentada. O projeto seguiu para aprovação no Congresso.
CAR sobre áreas indígenas
Um Projeto de Lei Complementar que tramita na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) autoriza o registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de fazendas em sobreposição a Terras Indígenas no estado.
O autor da proposta é o governador Mauro Mendes (DEM).
Procurada pela reportagem, a assessoria do governados não se manifestou até a publicação da matéria.
Em maio deste ano, o Ministério Público Federal (MPF), por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, enviou ofício ao presidente da ALMT, Eduardo Botelho (DEM), para que suspenda a votação.
O MPF afirma que o PLC 17/2020 vai ao encontro do proposto na Instrução Normativa 09/2020 da Funai, o que também contribuiria para os conflitos agrários e exploração indevida de território indígena.
A ALMT disse que o projeto está cumprindo o prazo de vista de alguns deputados.
Segundo a Casa de Leis, o prazo se encerra na próxima terça-feira (16).