Inúmeras montanhas anunciam a chegada a Araguainha, Mato Grosso, a terceira cidade menos populosa do Brasil, com 956 habitantes. Na estrada de chão que leva ao município, é possível avistar rochas compostas por minerais que em outros lugares são encontrados somente no subsolo. Essa paisagem geográfica têm um motivo: Araguainha está localizada no centro da maior cratera causada por um asteroide na América do Sul.
O impacto com o corpo celeste ocorreu há 250 milhões de anos e causou uma cicatriz de 40 quilômetros de diâmetro – correspondente a uma área de, aproximadamente, 1,3 mil quilômetros quadrados. Na cratera caberia, por exemplo, a região metropolitana de São Paulo.
A área da colisão do asteroide está dividida entre três cidades de Mato Grosso – onde está localizada 60% da cratera – e três do Estado vizinho, Goiás.
Estudos apontam que o impacto pode ter provocado a maior extinção de vida na Terra – maior, inclusive, que a dos dinossauros. A colisão teria destruído, imediatamente, tudo o que estava num raio de até 250 quilômetros e, posteriormente, gerado um rápido e fatal aquecimento global, causando tsunamis e terremotos.
“O impacto foi indireto, diferente daquele asteroide que matou os dinossauros. A colisão em Araguainha provocou um sismo enorme, responsável pela liquefação dos sedimentos da Bacia do Paraná, lançando para a atmosfera uma grande quantidade de metano, um gás com poderoso efeito de estufa, 60 vezes maior que o dióxido de carbono”, explica o geólogo norte-americano Eric Tohver, um dos autores dos estudos e professor visitante da Universidade de São Paulo (USP).
Como consequência, milhões de seres vivos teriam morrido. Segundo os estudos, teriam sido extintas cerca de 90% das espécies de seres que habitavam o planeta. No período, a Terra era composta por répteis e anfíbios. O desaparecimento de vida decorrente do meteorito de Araguainha, conforme pesquisadores, foi mais intenso que o fenômeno que levou à extinção dos dinossauros, que ocorreu há 65 milhões de anos, também causado por um corpo celeste. Neste, foram extintas de 60% a 65% das espécies de seres vivos da Terra.
“Mas é importante ressaltar que essas afirmações de que o asteroide de Araguainha causou a maior extinção de vida na terra não foram comprovadas, ao menos por ora. Então é um pouco especulativo ainda”, diz Alvaro Crósta, professor de Geologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e estudioso sobre a cratera de Araguainha há mais de 40 anos.
O impacto do asteroide com a Terra
Os primeiros estudos sobre o tema apontam que o asteroide atingiu a região no início do período Triássico, de 250 a 201 milhões de anos atrás, primeira fase da era Mesozóica – que posteriormente teve os períodos Jurássico e Cretáceo -, conhecida como a “idade dos dinossauros”. Nesta época, os dinossauros ainda não existiam. Eles surgiram milhões de anos depois, ainda durante o período Mesozóico.
“Quando o asteroide atingiu a região em que hoje está Araguainha, havia répteis e anfíbios. No período, alguns peixes estavam começando a rastejar”, explica Alvaro Crósta.
O asteroide tinha pouco mais de 1,7 quilômetros de diâmetro e atingiu a terra em uma velocidade de 15 a 18 quilômetros por segundo – maior que a de uma bala de canhão.
Segundo estudiosos, a região atingida pelo asteroide era considerada uma plataforma marítima continental, ou seja, um mar raso e com sedimentos depositados em seu interior. A área está localizada na Bacia Sedimentar do Paraná. Na época da colisão, todos os continentes estavam agrupados em um só, chamado Pangeia, que era circundado pelo oceano Phantalassa – atualmente o Pacífico.
“Em razão das dimensões da rocha e da velocidade, a energia produzida pelo impacto formou uma cratera muito grande. Por ser um asteroide de grande dimensão, ele se chocou, praticamente, sem ser freado pela atmosfera, que consegue alterar apenas corpos menores”, afirma o professor da Unicamp.
Os répteis e os anfíbios que viviam na região foram afetados pelo impacto. “Já havia, por exemplo, tubarões. São formas de vida muito antigas”, diz Crósta. Segundo ele, todos seres que viviam na área ou nas proximidades do astroblema – como são definidas crateras de impacto deixadas na superfície terrestre – foram atingidos pela colisão.
O asteroide atingiu a Terra ao ser atraído pela gravidade, assim como outros corpos celestes que caíram no planeta. “Há milhares de asteroides, assim como cometas, vagando pelo universo. Eles têm órbitas que, às vezes, trazem esses corpos para perto da Terra. Há uma força de atração, que tem a ver com a gravidade de planetas como o nosso, que é um grande corpo do sistema solar. Então se um desses asteroides, ou cometas, se aproximar muito, acaba sendo atraído pela gravidade da Terra”, explica Crósta.
Ao se chocar com a Terra, o asteroide adentrou dois quilômetros e meio de profundidade. Com isso, além de formar montanhas e relevos, trouxe à superfície minerais que estavam abaixo do solo – como granito, turmalina, feldspato e hematita. Em muitas áreas do astroblema, é comum encontrar tais minerais com facilidade.
O mineral mais comum na região, porém, é outro: o ferro. “Entre Ponte Branca [que também está dentro do astroblema] e Araguainha há algo superior a 40 hectares de ferro. Isso acontece porque, normalmente, quando um meteorito cai em determinada região, algum mineral acaba se tornando mais comum. No Canadá, por exemplo, foi níquel. Na África do Sul, o diamante”, diz Ruy Ojeda, do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado e Mato Grosso (Indea).
Outra transformação causada pelo asteroide é que diversas rochas da região possuem formatos distintos – muitos moradores, inclusive, guardam algumas delas em casa.
Pesquisas indicam que impacto pode ter causado a maior extinção de vida na Terra
Um estudo de 2013, conduzido por pesquisadores de diferentes países e publicado na revista científica Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology afirma que a maior extinção conhecida no planeta foi causada pelo asteroide que atingiu Araguainha.
Diferentemente do que havia sido apontado nas primeiras pesquisas sobre o tema, o estudo de 2013 defende que o asteroide teria atingido a Terra no fim do período Permiano, de 290 a 250 milhões de anos atrás, o último da era Paleozoica.
Não é apenas uma divergência de datas. O Permiano se encerrou em meio à maior extinção de vida na Terra. Assim, dizem os cientistas, essa extinção teria sido motivada pelo asteroide que atingiu Araguainha.
Segundo os pesquisadores, há evidências geológicas de que a colisão do meteorito pode ter gerado terremotos com magnitude de até 9,9 graus na escala Richter, em um raio de mil quilômetros em torno da cratera. Os tremores teriam afetado rochas ricas em carbono orgânico e liberado uma quantidade descomunal de metano.
Em julho deste ano, um novo artigo, publicado na revista Geological Society of America Bulletin, também defende que o asteroide que atingiu Araguainha foi responsável pela maior extinção de vida na Terra. A pesquisa é assinada por especialistas de diferentes países, entre eles o geólogo norte-americano Eric Tohver, que também participou do estudo de 2013.
De acordo com o estudo recente, o asteroide de Araguainha teve como principal consequência um tsunami que afetou até mil quilômetros de distância da cratera. “O material oriundo da cratera comprovou que o tsunami foi causado pelo impacto do asteroide. Isso faz com que Araguainha seja a cratera mais antiga, já documentada, a preservar uma camada tsunamítica”, relata Tohver.
Tais consequências teriam matado milhões de seres vivos e dado fim à era Paleozoica.
No entanto, ainda não há um consenso científico sobre o assunto.
A história da descoberta da origem da cratera de Araguainha
A cratera começou a ser descoberta na década de 60, quando equipes da Petrobras procuravam petróleo em diversas regiões do Brasil. Naquele período, “geólogos viram que havia uma estrutura circular na região, só que ela era muito grande para ser uma estrutura vulcânica. Então, imaginaram que o magma subiu pela crosta da terra, se solidificou e deixou aquela estrutura arredondada”, conta Crósta.
Anos depois, na década de 1970, imagens de satélite identificaram o astroblema. “Alguns geólogos dos Estados Unidos, que trabalham com cratera, viram aquele buraco e avaliaram que poderia ter sido causado pelo impacto de uma rocha”, relata o especialista.
Pouco após saber da descoberta feita por meio do satélite, Crósta, que fazia mestrado, passou a se aprofundar no tema. Por diversas vezes, ele foi à região de Araguainha. A partir de então, tiveram início os estudos sobre o astroblema da região.
Em razão da descoberta, a cidade localizada no centro da cratera passou a ser conhecida como Domo de Araguainha – termo usado em referência aos círculos formados pelas montanhas na área central do município.
Hoje, grande parte das áreas montanhosas da cratera ou que guardam rochas com formações distintas está localizada em propriedades particulares, principalmente em fazendas.
Além de Araguainha, a cidade mato-grossense de Ponte Branca também está localizada dentro da cratera de impacto, na borda do astroblema. O meteorito acertou também parte de Alto Araguaia (MT) e das cidades de Doverlândia, Mineiros e Santa Rita do Araguaia, em Goiás.
Lenda conta que Hitler teria enviado tropas para a cratera
Em Araguainha, os moradores sabem que a cidade está no centro de uma cratera causada por um asteroide. Poucos, porém, conhecem, de fato, a história sobre a colisão entre o corpo celeste e o solo. Apesar disso, possuem histórias e lendas sobre o fato.
Uma das histórias contadas pelos moradores do município diz que Adolf Hitler enviou aliados para a região antes da Segunda Guerra Mundial. O objetivo do líder nazista, segundo os relatos na cidade, seria buscar forças para o embate, em razão de supostas energias cósmicas da região atingida pelo asteroide.
A versão, no entanto, é desmentida por estudiosos. “Não há nenhuma comprovação sobre essa história de Hitler ter ido a Araguainha. Os moradores podem ter pensado isso porque muitos estudiosos alemães foram ao local logo após a descoberta da cratera, mas isso foi depois dos anos 70”, comenta Ruy Ojeda.
Outra história que os moradores contam é que estrangeiros foram à cratera e pegaram rochas para comercializar em outros países. Esta versão é considerada verdadeira. Uma estudiosa sobre o Domo de Araguainha descobriu durante pesquisa na internet, em 2006, que amostras retiradas do astroblema estavam sendo expostas e comercializadas em galerias de artes de Paris, na França. O fato tornou-se alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF) de Mato Grosso.
A BBC News Brasil teve acesso ao inquérito sobre a suposta comercialização de rochas retiradas da cratera. Conforme os autos da investigação, o MPF tentou recuperar os fósseis ou fazer um acordo com a França. No entanto, as apurações apontaram que a medida seria inviável, em razão da falta de legislação a respeito do Domo de Araguainha. As investigações foram arquivadas.
Possíveis acordos com a França foram prejudicados, segundo o MPF, em razão da falta de ações de proteção referentes ao Domo de Araguainha. Na região, não há nenhuma determinação sobre a preservação da região ou de seus itens. Tal situação foi criticada pelo procurador da República Everton Pereira Aguiar Araújo, responsável pelo inquérito.
“A ausência de legislação protetiva dá azos ao abandono cultural de patrimônios extremamente ricos, tanto em matéria como em oportunidade de expansão científica, impedindo sua inserção na identidade pátria. Tal fator impede que atitudes como a retirada e venda de amostras de um astroblema – como ocorreu pela galeria francesa – signifique uma transgressão de direitos culturais aos olhos da população e das próprias autoridades públicas”, assinala o membro do MPF, em publicação feita em junho deste ano.