O Brasil tem condições de alcançar a marca de mais de 90% da população atendida com água e esgoto até 2033, mas, para isso, é preciso empenho do setor público e da iniciativa privada, com diretrizes e regulação do governo federal. Essa foi uma das avaliações feitas durante audiência pública interativa promovida pela Comissão de Desenvolvimento Rural e Turismo (CDR) do Senado na noite desta segunda-feira (28). A audiência foi solicitada pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF).
Essa foi a segunda mesa do Ciclo de Debates sobre Desenvolvimento Regional da CDR, que tem como presidente o senador Fernando Collor (Pros-AL). Ao iniciar os debates desta segunda-feira, Collor informou que, segundo dados de 2019 do Sistema Nacional de Informações do Saneamento (Snis), o índice médio nacional da população atendida com rede de abastecimento de água era de 83,7% naquele ano.
Para Collor, fica evidente a desigualdade regional brasileira quando esse dado é regionalizado: enquanto a região Sudeste tem 91,1% de sua população atendida com abastecimento de água, a região Nordeste tem 73,9% e a região Norte, 57,5%.
Já o índice médio nacional de atendimento com rede de coleta de esgoto é de 54,1%, acrescentou Collor. O Sudeste registra 79,5% de cobertura; o Centro-Oeste, 57,7%; o Sul, 46,3%; o Nordeste, 28,3%; e a região Norte tem 12,3% de atendimento.
— Vejam as diferenças, as discrepâncias e as necessidades que nós temos de equilibrar. Esses números, que muito entristecem a todos nós, não chegam a nos surpreender: são parte da fotografia do nosso atraso na questão de saneamento básico no Brasil — pontuou o presidente da CDR.
Para Collor, o saneamento precisa ser entendido como a base do sistema de saúde do país, pois, destacou ele, quanto maior o investimento no setor, menos pressão há sobre o sistema de saúde. Antes das falas dos debatedores, o senador leu algumas das perguntas enviadas por internautas pelo e-Cidadania para subsidiar o debate.
Alfredo Assis de Carvalho, coordenador de gestão integrada da Coordenação de Planejamento e Regulação do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), garantiu que a busca da universalização dos serviços de saneamento é uma das prioridades do governo federal. Ele disse que o saneamento básico é “fundamental para garantir saúde e dignidade da população”.
— Neste cenário atual de pandemia, o acesso ao serviço de saneamento se torna ainda mais importante. Enquanto alguns de nós estão mais preocupados em ter à disposição uma máscara limpa e um frasco de álcool em gel, milhões de pessoas no nosso país convivem com esgoto contaminado passando em uma vala na porta de casa, e uma parcela considerável dessa mesma população nem sequer tem acesso a rede de água tratada para lavar as mãos, um hábito básico de higiene — disse Alfredo.
Segundo o representante do MDR, a cada R$ 1 investido em saneamento, economiza-se R$ 4 reais no sistema de saúde. Além disso, declarou Alfredo, estudos comprovam que a melhora do saneamento traz muitos outros benefícios, como o aumento da produtividade dos trabalhadores e do desempenho escolar das crianças e a alavancagem do turismo, por exemplo. O coordenador disse ainda que há 100 milhões de brasileiros sem esgotamento sanitário e 35 milhões sem abastecimento de água. Para que esses brasileiros consigam ser atendidos até 2033, ressaltou, é preciso aumentar os investimentos públicos e privados em saneamento.
Carlos Motta Nunes, especialista em regulação de recursos hídricos e saneamento básico da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), salientou que o Brasil ainda tem “números vergonhosos” de atendimento de água e esgoto. Ele destacou que a ANA busca integrar as políticas nacionais de recursos hídricos e de saneamento.
— A Agência Nacional de Águas traz a visão de recursos hídricos para dentro do saneamento, para a gente poder ter essa visão mais global do insumo fundamental para o saneamento, que é a água tanto no início da cadeia, que é a água que é captada, mas também ao final da cadeia, quando aquele esgoto chega aos nossos rios e polui os nossos rios. A gente consegue ter uma visão mais abrangente de país — disse Carlos Motta.
Marcus Vinícius Fernandes Neves, presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), declarou que, enquanto houver cidades brasileiras que necessitam ser atendidas por carros-pipa para terem água, o país não pode se conformar. Ele reclamou que o novo marco legal do saneamento (Lei 14.026/2020) não dá a devida atenção aos problemas da população rural.
Para Marcus Vinícius, só a união do setor público com o setor privado pode resolver o saneamento básico no país, mas é preciso haver também políticas públicas bem coordenadas e regulação e fiscalização eficientes. Ele também frisou que é preciso enxergar as realidades distintas de cada estado e cidade.
— Quem tem que tomar conta da política pública do saneamento tem que ser o governo federal, estadual e municipal, dentro das suas atribuições. Buscar recursos para somar aos recursos públicos que nós temos é fundamental, imprescindível, mas a política pública, o acompanhamento, as regras, também. O que adianta nós termos uma boa licitação e recursos e não termos uma boa agência reguladora com normas claras? Taí Manaus, que é pelo setor privado e é um dos piores índices de água e esgoto público, privatizado nesse estado desde a década de 1990 — alertou o presidente da Aesbe.
Por sua vez, o primeiro-secretário da Confederação Nacional de Municípios (CNM), José Patriota, concordou que as realidades regionais devem nortear o avanço do setor. Ele reiterou que a qualidade do saneamento básico interfere diretamente na qualidade de vida da sociedade brasileira. E que o papel do poder público continua fundamental, mesmo com o aumento da participação privada no setor.
— Para nós da CNM é fundamental a regulação. Por mais que haja necessidade de atrair investimentos privados para compor esse conjunto de ações, é fundamental a regulação do Estado brasileiro. E a ANA, como agência reguladora e com a expertise que tem, carrega para si uma grande responsabilidade que a lei lhe delega — afirmou José Patriota.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), autor do requerimento para a realização dessa audiência pública, apresentou aos debatedores questionamentos sobre a real possibilidade de universalizar os serviços até 2033 e sobre a poluição de cursos d’água causada pelo esgoto despejado sem tratamento.
— A questão dos recursos hídricos para nós tem uma importância imensa, principalmente este ano, em que já se começa a se falar em racionamento — ressaltou Izalci.
Ao final, Collor informou que a CDR promoverá a terceira mesa do ciclo de debates na próxima segunda-feira (5), às 18h, para discutir a aviação regional.