A transformação digital é vista como um dos pilares para o crescimento e a competitividade no agronegócio brasileiro, um setor que, historicamente, tem se caracterizado pela inovação, mas também por desafios estruturais e culturais. Em um momento em que o mercado global se torna cada vez mais exigente, a adoção de novas tecnologias se torna um fator decisivo para o futuro das empresas do setor. No entanto, a grande questão é: o agronegócio está preparado para aproveitar plenamente essas inovações e se manter competitivo?
Com o objetivo de avaliar o estágio de maturidade digital do agronegócio e os caminhos para sua adaptação à revolução tecnológica, a PwC Brasil e a Fundação Dom Cabral (FDC) lançaram a primeira edição do Índice de Transformação Digital Brasil (ITDBr) dedicada exclusivamente ao setor agropecuário. O estudo revela insights cruciais sobre os pontos fortes e as lacunas na jornada digital das empresas do agronegócio, além de apontar direções estratégicas para acelerar sua transformação.
A transformação digital no agronegócio envolve a integração de tecnologias digitais para otimizar processos, melhorar a eficiência operacional, explorar novas oportunidades de mercado e enfrentar desafios complexos. Para os especialistas envolvidos na pesquisa, como Mauricio Moraes, sócio da PwC Brasil e CEO do PwC Agtech Innovation, a adoção de tecnologias como inteligência artificial (IA), Internet das Coisas (IoT) e análise de dados é fundamental. Ele destaca, no entanto, que a verdadeira transformação vai além da implementação dessas tecnologias; envolve também uma mudança cultural nas empresas, promovendo uma visão de longo prazo e uma adaptação estratégica à digitalização.
Índice de maturidade digital
De acordo com o estudo, o agronegócio brasileiro apresenta o menor índice de maturidade digital entre todos os setores avaliados, com uma pontuação de 3,1, abaixo da média geral de 3,7. As áreas mais críticas identificadas incluem processos digitais e decisões orientadas por dados, que estão muito aquém da média de outros setores. A dimensão mais preocupante é a de pessoas e cultura, que obteve a pontuação mais baixa de todas, sugerindo que as empresas do agronegócio ainda não estão focadas o suficiente no treinamento digital e no desenvolvimento de uma cultura organizacional que favoreça a transformação.
Além disso, o setor adota uma abordagem mais cautelosa quando se trata de investimentos em transformação digital. A pesquisa revela que 75,8% das empresas adotam uma estratégia seletiva, priorizando investimentos pontuais e focados, em vez de uma abordagem mais ampla e disruptiva. Apenas 21,2% se classificam como “otimizadoras”, ou seja, aquelas que veem a digitalização como parte essencial de seus negócios. Esse número está bem abaixo da média de outros setores, o que indica que o agronegócio ainda precisa avançar para aproveitar as tecnologias de forma mais estratégica.
O estudo também revela que a falta de uma estrutura organizacional bem definida e a resistência interna às mudanças tecnológicas são grandes obstáculos. Para 73% das empresas, a estrutura e cultura organizacional são as principais barreiras para a implementação da transformação digital. Além disso, a falta de uma visão clara de como os negócios digitais podem ser integrados à operação diária também é um desafio. Esse cenário sugere que muitas empresas ainda não enxergam a digitalização como uma estratégia de longo prazo, mas sim como uma solução pontual para problemas imediatos.
Relacionamento com clientes digitais
A pesquisa apontou ainda que o agronegócio tem demonstrado um avanço significativo em áreas como o relacionamento com clientes digitais, com uma pontuação de 3,4, mais próxima da média do mercado. A adoção de tecnologias como IoT e inteligência artificial também está crescendo, com 45% das empresas utilizando IoT, um número muito superior à média de outros setores. A inteligência artificial, por sua vez, está sendo adotada por 36% das empresas, refletindo a busca por otimizar processos e aumentar a eficiência.
Contudo, o uso dessas tecnologias ainda está aquém do potencial que o agronegócio poderia alcançar, especialmente em relação à integração de sistemas e processos mais amplos. A transformação digital, para muitos, ainda é vista como um esforço fragmentado, focado em melhorias localizadas, em vez de uma reestruturação mais abrangente.
Hugo Tadeu, diretor do Núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da FDC, destaca que o grande desafio do agronegócio está na governança da transformação digital. Ele observa que, sem uma estratégia robusta de governança digital que envolva a estrutura organizacional como um todo, a maturidade digital do setor continuará em níveis baixos. Para avançar, as empresas precisam investir em planejamento estratégico, capacitação digital e inovação contínua.
A pesquisa também revelou que o agronegócio ainda está distante de integrar plenamente as práticas de responsabilidade ambiental, social e de governança (ESG) com a transformação digital. Embora mais da metade das empresas reconheça a importância de alinhar a transformação digital com suas estratégias ESG, apenas 43% já utilizam tecnologias digitais para mitigar os impactos ambientais e sociais, um índice inferior à média de outros setores.
Superar obstáculos culturais e organizacionais
Por fim, o estudo aponta que, para o agronegócio se tornar mais competitivo, é crucial que as empresas superem os obstáculos culturais e organizacionais e adotem uma abordagem mais estratégica e integrada à digitalização. O planejamento estratégico e a gestão de longo prazo devem ser as principais áreas de melhoria. Ao melhorar processos, capacitar equipes e integrar novas tecnologias de forma mais abrangente, as empresas do agronegócio terão a oportunidade de não apenas melhorar sua eficiência operacional, mas também fortalecer sua posição no mercado global.
Com a implementação de um modelo mais robusto de transformação digital, o agronegócio brasileiro poderá expandir seu protagonismo digital, garantindo uma base sólida para enfrentar os desafios de um mercado global em constante evolução.