As bebidas lácteas com proteína, ou shakes proteicos, como também são conhecidas, estão ganhando cada vez mais espaço nos comércios com o ideal de ser um produto prático, saboroso e que pode servir como um lanche. O que os consumidores não estão cientes, no entanto, é que se trata de uma bebida ultraprocessada com uma série de aditivos químicos.
“Existe um apelo comercial por essa questão da praticidade, é uma comunicação que agrada ao público mais jovem, mas não é uma alternativa única para a gente oferecer uma refeição prática, rápida e adequada em proteína para a população em geral”, diz a pós-doutoranda da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP e nutricionista do Hospital das Clínicas da FMRP Juliana Sicchieri.
Considera-se um alimento ultraprocessado, segunda a classificação NOVA, do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde), aquele que é frequentemente acrescido de corantes, aromatizantes, espessantes e outros aditivos cosméticos que dão ao produto propriedades sensoriais parecidas com os alimentos que vêm da natureza.
De acordo com a pesquisadora do Nupens Maria Alvim essas características sensoriais podem ser de sabor, cor, textura ou aroma, por exemplo.
“Quando tem um aditivo que a gente considera cosmético, classificamos esse alimento como ultraprocessado. Então, ele pode ter um aditivo ou 50 aditivos, se esse aditivo é cosmético, ele já leva o produto para esse grupo de ultraprocessado”, explica Maria.
No caso dos shakes proteicos, o soro do leite é o ingrediente que fornece a quantidade de proteína prometida – e ele não é um aditivo cosmético. Porém, o mesmo não ocorre com todos os itens.
“As bebidas que são produzidas dessa forma acabam recebendo uma composição que integra o soro do leite, mas também uma série de outros aditivos, caracterizando esse produto como ultraprocessado”, explica Maria.
Entre os aditivos cosméticos encontrados nesses shakes, estão os aromatizantes, espessantes e o amido modificado.
“O amido modificado, por exemplo, é um agente que vai conferir uma textura, ele torna o alimento mais denso. Então, ele é um aditivo cosmético, ele é um ingrediente que torna aquele produto ultraprocessado”, alerta a pesquisadora.
Outra vantagem explorada por essas bebibas é a característica “zero açúcar”. De fato, essas bebidas não são acrescidas de açúcar, mas há algumas versões que contém edulcorante sucralose. Essa substância é um açúcar artificial, feito a partir da cana-de-açúcar, e não calórico.
Em razão disso, os produtos podem receber essa classificação. Porém, Maria ressalta que não é porque um alimento é zero açúcar que ele é saudável ou mais saudável que a versão tradicional do produto, que tem açúcar, por exemplo.
Além do mais, a pesquisadora avisa que o edulcorante sucralose é um aditivo químico, e “quando um alimento tem adoçante, que condiciona a ele uma característica sensorial, que é o dulçor, ele condiciona ao alimento a classificação como ultraprocessado.”
De forma geral, todos devem evitar o consumo de produtos ultraprocessados, segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira. Porém, principalmente as crianças devem se distanciar dessas bebidas lácteas proteicas.
“Os hábitos alimentares que são formados na infância tendem a perdurar pela adolescência, pela vida adulta. Então, você ensinar a criança a não comer ultraprocessado desde cedo, além de promover uma alimentação saudável quando ela for um adulto, também vai evitar o risco de doenças na infância”, diz Maria.
Isso ocorre porque os ultraprocessados têm, como um todo, um perfil nutricional muito menor do que um alimento natural, por exemplo.
“Se uma criança baseia sua alimentação em ultraprocessados, ela pode ter deficiência de macronutrientes, também micronutrientes, que são fundamentais para crescer, desenvolver, ter plena saúde, pleno desenvolvimento cognitivo”, acrescenta a pesquisadora.
Nos adultos, Maria destaca que hoje há evidências de que os produtos ultraprocessados, quando consumidos em excesso, podem causar “diabetes, hipertensão, colesterol alto, depressão, câncer de mama, e todos os tipos de câncer também, distúrbios gastrointestinais e doença de Crohn”, por exemplo.
A pesquisadora ainda diz que as bebidas lácteas não devem ser usadas para satisfazer o apetite, pois alguns estudos mostraram que as calorias líquidas alteram o controle de saciedade.
“Quando a gente bebe um produto que tem muita caloria, o nosso organismo tem mais dificuldade de entender a saciedade causada por aquele alimento do que quando a gente come alguma coisa, mastiga. Então, a caloria líquida ainda tem esse potencial extra de confundir o nosso mecanismo natural de controle da saciedade”, conta.
Juliana pontua que “a proteína é, de fato, um nutriente que é importante para a saúde, mas ela não é obtida na alimentação a partir de bebidas lácteas. Existe uma série de outras fontes alimentares que podem nos prover proteína.”
Dentre elas, a nutricionista cita o leite. “É uma alternativa que substitui essas bebidas lácteas à base de proteína, muitas vezes, até com um teor maior de proteína. Pode ser um iogurte, por exemplo, ele tem bem menos aditivos alimentares.”
As Pancs (plantas alimentícias não convencionais) são também uma fonte natural de proteína, que está disponível na natureza – com menos defensivos agrícolas.
“Uma pessoa que consegue levar um sanduíche natural no meio da tarde para comer, por exemplo, com atum ou com frango, não tem necessidade de tomar whey ou bebida láctea, porque já está fazendo a absorção da proteína de outra forma”, informa a nutricionista funcional e esportiva da clínica NutriCilla Gabriela Cilla.
E acrescenta: “Todas as proteínas de origem animal [são opções], por exemplo, atum, ovo, frango, queijos. Então, um sanduíche à base de ricota, de patê de frango, um ovo mexido, uma omelete, são opções boas.”
O último alerta dado por Juliana é “que as pessoas consultem os rótulos, para ver se aquilo é adequado para o contexto dela.”
Maria também finaliza dizendo que a regra de ouro do guia alimentar para a população brasileira é, de fato, evitar os ultraprocessados. Para identificá-los, ela ensina uma técnica simples.
“Quando a gente não conhece o ingrediente e quando a gente não usa esse ingrediente na cozinha da nossa casa, no nosso cotidiano, é muito provável que esse elemento seja ultraprocessado, que ele tenha um aditivo químico cosmético”, conclui a pesquisadora.