As danças, cânticos, celebrações, comidas, artesanatos e os modos de vida de povos indígenas de todas as regiões do país ocuparam, por oito dias, a 16ª Aldeia Multiétnica, na Chapada dos Veadeiros (GO). O festival, que chega ao fim neste sábado (20), também foi palco do 1º Circuito de Culturas Indígenas, com a presença de representantes do Ministério da Cultura (MinC) para dialogar com as lideranças indígenas sobre o acesso aos recursos federais e às políticas públicas culturais, nos dias 18 e 19 de julho. O evento integrou a programação de celebração aos 20 anos da Política Nacional Cultura Viva (PNCV), que certifica e fomenta grupos cultuais nos territórios. Hoje já são quase seis mil pontos e pontões de cultura no Cadastro Nacional.
A secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do MinC, Márcia Rollemberg, destacou como marcos desse evento a articulação com o Pontão Temático de Culturas Indígenas fomentado pelo Ministério e a formação de jovens indígenas como Agentes Cultura Viva.
“Foi importante a gente estar nesse evento trabalhando em prol do acesso às políticas públicas de cultura, nesse momento de encontro, celebração e, principalmente, de avanço nos direitos culturais dos povos indígenas”, avaliou Márcia.
Os 20 jovens indígenas escolhidos para serem Agentes Cultura Viva fizeram na Aldeia Multiétnica a primeira etapa do seu processo de integração e formação. Agora, os agentes seguirão para suas comunidades comos equipamentos fornecidos durante o evento (tablets e celulares) para registrar a realidade de seus povos e executar as atividades do Pontão nos territórios.
“Tivemos a oportunidade de trocar experiências e de se conhecer na Aldeia Multiétnica. Como Agente Cultura Viva, espero levar mais informação e resistência para meu povo manter suas tradições”, afirmou Jade Puentes, representante do povo Aimara da Bolívia. Ela e sua comunidade vivem em São Paulo.
Towé Fulni-ô também celebrou a participação dos jovens: “Eu sempre sonhei em ver jovens envolvidos nessa luta, porque venho lutando há muitos anos. É difícil para nós, anciãos, porque os jovens vão estudar na cidade e esquecem suas comunidades. O ancião é muito valioso, somos a sabedoria. Os jovens podem escutar tudo o que foi passado para nós”.
Os agentes fazem parte da estratégia dos 42 Pontões Temáticos e Territoriais selecionados pelo MinC, por meio de Edital de Chamamento Público, para fazerem o mapeamento, o diagnóstico, a formação, a articulação e a mobilização da rede de pontos de cultura no país. Juntos os Pontões de Cultura deverão envolver a atuação de 570 agentes, entre 18 e 24 anos, que vão receber uma bolsa individual de R$ 900,00, por nove meses.
Pontão Indígena e Mãe Terra
O Edital de Fomento a Pontões teve um investimento de R$ 28 milhões. Dos 42 fomentados, são 27 territoriais e 15 temáticos. Além das culturas indígenas, serão desenvolvidos projetos em áreas como cultura popular e tradicional, matriz africana, patrimônio e memória, literatura, digital, entre outras.
As iniciativas selecionadas para serem pontões de cultura receberão um repasse de R$ 400 mil a R$ 800 mil para a execução de um projeto cultural pelo período de 12 meses. Ao todo, 306 pontos de cultura estarão envolvidos nessa estratégia, considerando que cada pontão tem um comitê gestor.
No caso do Pontão Indígena, o proponente é a Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, responsável pela organização da Aldeia Multiétnica.
Outras políticas
Além da Política Cultura Viva, os indígenas tiveram acesso a informações sobre outras políticas do Ministério da Cultura. O diretor do Sistema Nacional de Cultura, Junior Afro, destacou a importância de um sistema estruturado voltado às políticas públicas de cultura, semelhante ao que já ocorre com a saúde e a assistência social. Ele incentivou os indígenas a ocuparem espaços nos conselhos estaduais e municipais de cultura para garantir o acesso aos recursos federais.
“Estamos trabalhando para que, cada vez mais, os entes federados tenham uma estrutura de políticas públicas de cultura, com secretarias, conselhos, planos de cultura e participação social. Precisamos de conselhos fortes e potentes para que essa estrutura de políticas públicas também seja potente e para que o retorno para a sociedade seja real”, completou.
O diretor de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios, Thiago Rocha Leandro, lembrou que a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) destina R$ 3 bilhões por ano para serem investidos na cultura até 2027.
“Conseguimos uma conquista histórica que foi garantir dentro desse recurso um percentual específico para projetos de pessoas negras e para pessoas indígenas. Foi um primeiro passo. A gente está aqui para conversar, aprender e saber onde pode melhorar porque acreditamos que política pública se constrói ouvindo, em conjunto”, argumentou.
Com os recursos da PNAB, a Política Cultura Viva receberá um investimento de, pelo menos, R$ 388 milhões para fomentar os pontos de cultura. “Temos trabalhado, no máximo, para que estes editais sejam acessíveis. É preciso que os governos estaduais e municipais apliquem de fato as orientações e permitam aos indígenas filmar a realidade de suas comunidades e usem isso como inscrição nos editais”, explicou o diretor da Política Nacional Cultura Viva, João Pontes.
Aldeia Multiétnica
O festival Aldeia Multiétnica é uma realização da Casa de Cavaleiro de Jorge, em parceria com o Centro de Estudos Universais. Contou com o patrocínio da Embratur e o apoio do MinC.
“O objetivo dessa iniciativa é levar o Ministério da Cultura para perto das ações indígenas e fazer esse momento de troca. A gente também está articulando a criação de um grupo de trabalho, que vem como uma instância consultiva para o Plano Nacional das Culturas Indígenas”, sintetizou Karina Gama, diretora de Promoção da Diversidade Cultural.
O evento reuniu 500 indígenas de 18 etnias do Brasil, Canadá, Peru e Bolívia. “Não é fácil trazer todo mundo pra cá, mas a união dos povos indígenas é muito importante”, observou Anuiá Yawalapiti, de Mato Grosso. E completou: “O presidente Lula deu essa oportunidade de voltar a cultura, isso é muito bonito para o nosso país. O Brasil é rico de cultura, então a gente tem que estar junto com o Ministério da Cultura”.
“Nós sofremos muito preconceito ainda. A gente está lutando para buscar sustentabilidade para a aldeia. Acho que o ministério tem que estar mesmo presente aqui porque se não expressarmos o que sentimos, ninguém vai saber. O grande espírito soprou e os trouxe direto até aqui para dialogar com a gente na Aldeia Multiétnica”, comentou Aritana Funil-ô, de Pernambuco.
As etnias brasileiras presentes no evento foram: Kariri Xocó (AL/DF), Xavante (MT), Kayapó Mebêngôkré (PA), Guarani Mbyá (SC), Krahô (TO), Povos do Alto Xingu (MT), Fulni-ô (PE), Panará (PA), Rikbaktsa (MT), Xucuru (PE), Ticuna (AM), Maxakali (MG), Baniwa (AM) e Marubo (AM). Do Canadá, as nações Huni Kuin Innu e Wolastoqiyik participam do evento. Do Peru e da Bolívia, os representantes são do povo Shipibo-Konibo e Aymara.