Desafiando a crônica morosidade das obras ferroviárias no Brasil, a Rumo Norte, empresa da Rumo Logística, definiu que, no segundo semestre de 2025, seu trem apita em Cuiabá e que, no final de 2028, faça o mesmo em Lucas do Rio Verde (354 km ao Norte da Capital).
Para tanto, terá que construir 743 quilômetros de trilhos e terminais ferroviários.
A arrancada da obra será na manhã desta segunda-feira (7) em Rondonópolis (212 km ao Sul de Cuiabá), onde a ferrovia chegou em 2013 e permanece empacada.
O ato, no Complexo Intermodal (CIR) da cidade, será presidido pelo governador Mauro Mendes (UB) e pelo presidente da Rumo, Beto Abreu; e contará com a presença do vice-governador Otaviano Pivetta, senador Jayme Campos; os prefeitos Zé Carlos do Pátio (anfitrião), Miguel Vaz (Lucas) e Leandro Félix (Nova Mutum); e outras autoridades.
A ferrovia, em bitola larga, recebeu o nome de Senador Vicente Vuolo e ligará Rondonópolis a Cuiabá, Nova Mutum e Lucas do Rio Verde, com dois trajetos em parte coincidentes, somando 743 quilômetros.
Vicente Vuolo também é seu nome no trecho de 735 quilômetros entre Rondonópolis e Rubinéia (SP).
A Rumo prevê investimento de R$ 11,2 bilhões para a execução do projeto, que exigirá a construção de 68 pontes, dois viadutos e obras especiais na Serra de São Vicente.
Os recursos serão da iniciativa privada.
Essa será a primeira ferrovia estadual brasileira. Sua construção somente tornou-se possível graças ao Governo de Mato Grosso, que estadualizou seu trajeto e o ofereceu em concessão por 45 anos para a empresa que se dispusesse a executá-lo.
A Rumo foi a única interessada e, em 21 de julho de 2021, numa solenidade no Palácio Paiaguás, assinou contrato de adesão para tanto.
A estadualização acontece após a criação do Marco Regulatório das Ferrovias.
O trecho que será assumido pela Rumo encontra-se numa espécie de limbo.
Era parte integrante da concessão federal à extinta Ferronorte, que foi sucedida pela ALL Logística e, mais tarde, pela Rumo.
Quanto ao trecho, nem a empresa demonstrava interesse em cumprir sua parte, nem o Governo Federal exigia o cumprimento contratual.
A estadualização surgiu como forma para destravar a paralisação dos trilhos e fazê-los avançar.
A iniciativa deu certo e agora parte para sua concretização.
O início da obra sofreu atraso de quase três meses, pois, em março, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou na Justiça Federal, em Rondonópolis, com uma ação civil pública pedindo que a etnia bororo aldeada, nas terras indígenas Tadarimana e Tereza Cristina, fosse ouvida sobre eventuais impactos ambientais que poderiam sofrer em razão da construção e operacionalização do transporte ferroviário.
A Defensoria Pública da União reforçou o questionamento do MPF e, em agosto, o juiz federal Pedro Maradei Neto, da 1ª Vara de Rondonópolis, acolheu o pedido, no qual o defensor público Renan Vinicius Sotto Mayor alertava para “a existência de sítios arqueológicos registrados e não registrados, com possibilidade que houvesse sítios arqueológicos indígenas na região da Rodovia do Peixe, em Rondonópolis”, numa área que seria impactada pela obra.
A tese de Sotto Mayor foi aguçada por uma manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), sustentando que os trilhos passariam a 9.979 metros de Tadarimana.
Porém, a Funai esclareceu que a menor distância seria de 12.390 metros.
A questão foi superada no dia 3 deste mês de novembro, após a assinatura de um termo de compromisso entre as partes, no Tribunal de Contas do Estado, em Cuiabá, onde o líder da etnia, Antônio Tukureakireu, após ouvir seu povo, concordou.
O impasse superado nasceu no Iphan por conta da existência de uma portaria interministerial que prevê consulta livre, prévia e informada quando um empreendimento na Amazônia Legal estiver a uma distância menor de 10 quilômetros de terra indígena.
Porém, a Funai tratou de jogar por terra a argumentação.
Os aldeamentos são distantes do trajeto previsto para os trilhos.
Tadarimana, com 10.003 hectares em Rondonópolis e Pedra Preta, fica à sua direita no sentido Rondonópolis-Cuiabá; Tereza Cristina, com 34.210 hectares, no Pantanal, em Santo Antônio de Leverger, situa-se à sua esquerda, na mesma direção.
Os dois trechos da ferrovia terão movimentação distintas.
Para Cuiabá, serão embarcadas cargas fracionadas procedentes de São Paulo, e combustível oriundo da Refinaria Planalto (Replan), em Paulínia (SP); em sentido inverso, produtos industrializados e etanol.
Quando da adesão, a previsão do CEO da Rumo, João Alberto Fernandez de Abreu, era de que o trecho de Lucas a Santos movimentasse 12 milhões de toneladas de grãos e plumas anualmente, além de etanol e farelo de soja.
A incorporação dessas cargas incrementará a movimentação dos trens.
Em 2020, o terminal em Rondonópolis embarcou 18,22 milhões de toneladas de commodities agrícolas em 1.585 composições com 120 vagões, cada, com capacidade para 11.500 toneladas, e a esses números somam-se outros, do transporte de gasolina, óleo diesel e etanol, e trens cargueiros double stack, com manufaturados procedentes de Sumaré (SP).
Double stack, na tradução livre, significa vagões duplos (um sobre o outro).
A distância de Santos ao terminal rondonopolitano é de 1.650 quilômetros.
Somente os embarques em Lucas e Nova Mutum deverão botar, anualmente, sobre os trilhos mais 1.056 composições iguais às que já se encontram em operação.
O embarque nos trens é a conclusão do sistema multimodal rodoferroviário de transporte que começa nas lavouras, com carretas transportando para a Rumo.
Diariamente, 1.100 bitrens e outros pesadões descarregam no terminal de Rumo, em Rondonópolis.
Essa atividade impulsiona a economia local com venda de combustível e pneus, peças e assistência mecânica, alimentação, compras em mercearias, bares e conveniências à margem da MT-163, no acesso aos trilhos.
Além disso, empresas de transporte de cargas e concessionárias de veículos pesados se instalaram naquela cidade e carreteiros mudaram-se para lá.
Quando a Rumo iniciar o vaivém das cargas, haverá considerável aumento da movimentação de trens e a redução do tráfego pesado na BR-163, entre Lucas e Rondonópolis, numa extensão de 590 quilômetros; e de Lucas ao porto paraense de Miritituba, em Itaituba, no rio Tapajós, para onde boa parte da produção de commodities agrícolas da região Norte de Mato Grosso é escoada.
Essa será a segunda ferrovia mato-grossense, e sua operacionalização coincidirá com o início da movimentação de cargas na Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), com 383 quilômetros, que ligará Água Boa, Nova Nazaré e Cocalinho, no Vale do Araguaia, à Ferrovia Norte-Sul, em Mara Rosa (GO), cuja obra foi lançada em setembro de 2021 pelo presidente Jair Bolsonaro e está em execução pela mineradora Vale.
ORIGEM – A ferrovia foi planejada pelo Governo Federal e incluída ao Plano Nacional de Viação com o traçado entre Rubinéia e Cuiabá definido por uma lei de 6 de julho de 1976, do deputado federal Vicente Vuolo, que, mais tarde, seria senador por Mato Grosso.
Antes de Vuolo, o trem foi defendido em 1901 pelo escritor Guimarães Rosa e, em meados do século passado, pela professora, jornalista e escritora Maria Dimpina Lobo Duarte.
Sua construção previa a ligação de São Paulo com Cuiabá, Cáceres, Porto Velho (RO) e Santarém (PA), pela empresa que vencesse sua concessão, o que lhe permitiria explorá-la por 90 anos.
O vencedor foi o empresário Olacyr de Moraes, que, para tanto, criou a Ferronorte.
O contrato da concessão foi assinado em maio de 1989 e a obra, no trecho de Santa Fé do Sul (SP) a Alto Araguaia, começou em 1991. O trecho ferroviário de Santa Fé a Santos já existia.
O grande desafio no trajeto seria a construção de uma ponte rodoferroviária com 3.700 metros sobre o rio Paraná, na divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul, mas uma ação política do ex-governador Carlos Bezerra, junto ao Governo de São Paulo, a viabilizou.
Após as inaugurações dos terminais ferroviários em Alto Taquari, Alto Araguaia e Itiquira, o trem avançou até Rondonópolis, onde a primeira locomotiva apitou em 19 de setembro de 2013, tendo na cabine a presidente Dilma Rousseff e o então governador Silval Barbosa.
Distante 1.655 quilômetros de Santos pela ferrovia, Rondonópolis opera o maior terminal de cargas agrícolas da América Latina, em torno do qual construiu-se um distrito industrial com atividade voltada para a agroindustrialização.
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