Pesquisadores responsáveis pelo trabalho de escavações arqueológicas no antigo DOI-Codi, um centro clandestino de tortura da época da ditadura militar, na Zona Sul de São Paulo, encontraram vestígios do que pode ser sangue e uma importante inscrição, de um calendário, em cômodos de um dos prédios do complexo.
O trabalho busca esclarecimento das violações cometidas durante o período antidemocrático no Brasil (1964-1985). Ele teve início em 2 de agosto e será concluído na tarde desta segunda-feira (14), com a realização de uma mesa redonda no Centro de Preservação Cultural da USP.
Claudia Plens, coordenadora de arqueologia forense, explica que o sangue é uma das hipóteses para os vestígios encontrados em duas salas do primeiro andar, uma vez que o Luminol, substância utilizada como demarcador, reage com substâncias metálicas, sejam elas orgânicas ou não.
No caso do sangue, o ferro das hemoglobinas (células sanguíneas) é o que faz com que a solução de luminol emita luz, num processo de quimioluminescência.
Somente análises laboratoriais serão capazes de determinar se o que foi encontrado realmente se trata de sangue. É aí que entra o próximo passo da pesquisa, que será encaminhar todo o material biológico para os laboratórios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), para realizar novas investigações.
Além dos vestígios, Andres Zarankin, coordenador da equipe de escavações, fala entre 350 e 400 objetos encontrados. Dentre eles, um vidro de tinta para caneta e carimbo no espaço onde os sequestrados eram fichados.
“Elementos que por si só talvez não sejam muito, mas quando a gente associa com as histórias que temos dos próprios prisioneiros, ganham outro significado”, afirma Zarankin.
Grande parte dos objetos descobertos seriam relativos ao período entre as décadas de 50 a 90 e irão ajudar no estabelecimento de uma espécie de linha do tempo dos acontecimentos.
Para os pesquisadores, as inscrições na parede do banheiro, em cima de um mictório, são a grande descoberta até o momento e podem ser consideradas símbolo da resistência das pessoas que por ali passaram.
Segundo os arqueólogos, uma pesquisa inicial indica que os números associados a dias da semana e meses cravados na parede sejam referentes ao ano de 1970 ou 1981.
Frentes de trabalho
Foram três frentes de atuação, voltadas para escavação, investigação forense e Arqueologia Pública, sendo a última responsável pela realização de visitas guiadas, mesas de debates e oficinas para professores da rede pública de ensino.
A equipe de arqueologia pública recebeu mais de 800 pessoas distribuídas nas visitas guiadas e realizou oficinas para cinco escolas públicas. Foram feitas duas oficinas de formação para professores do ensino básico e uma oficina de arqueologia forense para graduandos em Arqueologia e história.
“A materialidade do edifício explica como a repressão aconteceu naquele espaço. Estudando melhor podemos descobrir tudo o que foi modificado no edifício ou então acrescentado nele para torná-lo um lugar mais repressivo“, explica a doutora em história Fernanda Lima.
Fernanda faz parte do Grupo de Trabalho (GT) DOI-Codi, formado por arqueólogos e historiadores da Universidade Estadual de 10 instituições, dentre elas a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em 2022, o GT realizou as primeiras ações no local. Por meio de um georradar, a equipe de Arqueologia Forense conseguiu mapear os edifícios para identificar portas e janelas escondidas atrás de paredes, por exemplo. Os dados obtidos na ocasião seguem em análise.
Como a sede do antigo DOI-Codi é tombada pelos órgãos de preservação estadual e municipal (Condephaat e Conpresp), os pesquisadores tiveram que pedir autorização de ambos e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para realizar as intervenções.