Um vírus que para muitas pessoas era desconhecido conseguiu escapar de áreas endêmicas da África em 2022 e se espalhar por mais de cem países em poucos meses, provocando um surto global nunca antes visto de varíola do macaco (monkeypox), agora rebatizada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) de mpox.
Desde o primeiro registro de mpox, no Reino Unido, em maio, o mundo já contabilizou 83,4 mil diagnósticos, segundo monitoramento dos CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos.
Alguns países conseguiram conter mais rapidamente o avanço da doença porque dispunham de estoques estratégicos de uma vacina contra a varíola humana – com objetivo de proteção contra um eventual ataque terrorista.
Não foi o caso do Brasil, que se tornou o segundo país do mundo em número de casos e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos.
Em 23 de julho, a OMS declarou que a mpox era uma uma ESPII (Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional). Foi a sexta vez em dez anos que a entidade usou o alerta máximo sanitário. As demais foram: ebola na África Ocidental (2014), poliomielite (2014), zika (2016), ebola na República Democrática do Congo (2019) e Covid-19 (2020).
A situação neste fim de ano, todavia, já é muito mais tranquila, com uma média de 92 novos casos por dia em todo o mundo, segundo a plataforma Our World in Data. No auge do surto, em agosto, eram 1.075.
Porém não é possível imaginar que a doença tenha apenas ido embora, afirma a virologista Clarissa Damaso, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro Comitê Assessor da OMS para Pesquisa com o Vírus da Varíola.
A especialista lista alguns cenários possíveis. O primeiro é de que haja outros picos de infecções “porque ela [mpox] não foi eliminada”.
“Há uma possibilidade de ela permanecer entre a gente – o que eu espero que não aconteça – caso o vírus encontre um reservatório na natureza. Então, ele encontra um animal em que ele fica fazendo manutenção, e a gente passa a ter surtos periódicos. É basicamente o que acontece na África.”
Se a transmissão ficar restrita a humanos, a virologista diz que é possível eliminar o vírus. Porém, “como é uma doença relativamente branda, pode permanecer ainda passando de uma pessoa para a outra sem grandes problemas, ela cai no esquecimento e não tem o controle devido”, complementa Clarissa.
A grande maioria dos pacientes que é infectada pelo vírus monkeypox desenvolve os sintomas, principalmente lesões de pele e mucosa, e se recupera naturalmente. Ainda assim, uma pequena parcela, sobretudo quem sofre de alguma imunossupressão, pode evoluir para quadros graves.
Além de ser o maior surto da doença já registrado na história, também é o mais letal fora das áreas endêmicas, com 58 óbitos ocorridos até o fim de dezembro – 14 no Brasil.
Clarissa Damaso, que estuda o vírus da varíola há 35 anos, diz que não deveria haver surpresa com a disseminação de um vírus que ficou por décadas restrito praticamente a alguns países do continente africano.
Quando a Covid-19 surgiu na China, há três anos, houve quem duvidasse que o vírus Sars-CoV-2 teria a capacidade de causar grandes problemas fora da Ásia. Poucas semanas depois, o contrário se provou.
Segundo a virologista, governos e autoridades sanitárias precisam estar atentos a outros patógenos que possam emergir “não só para conter, como também para tratar e prevenir”.
A hiperconectividade do mundo atual é capaz de fazer com que um vírus se espalhe para diversos continentes em alguns dias.
A mpox mostrou que muitos países não estavam preparados para lidar com uma ameaça da varíola humana, por exemplo, que é um vírus da mesma família. No caso do Brasil, houve – e continua havendo – dificuldade para aquisição de vacinas e tratamento antiviral.
O governo brasileiro dependeu da intermediação da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) para obter cerca de 50 mil doses de imunizantes e algumas dezenas de medicamentos.
“Não é exclusividade do Brasil. Só países que tinham investimento em programas estratégicos em defesa biológica é que tinham vacinas e antivirais armazenados com esse fim, para biodefesa, e que foram deslocados para uso no enfrentamento ao monkeypox. É uma lição que o Brasil precisa aprender, que a gente precisa ter uma autonomia ou investir em outros programas, porque são vacinas e antivirais que são úteis para outras doenças dentro da famílias dos poxvírus, não só a varíola, caso ressurja por bioterrorismo, mas no caso, monkeypox”, ressalta a virologista.