“Ouvi meu filho falar ‘eu te amo’ pela primeira vez aos 8 anos de idade”, conta Priscila Guterres Moraes, de 41 anos, a mãe do Levi. Prematuro, autista e incapaz de se expressar sozinho, a mãe conta que o menino encontrou novas “conexões cerebrais” que destravaram sua fala depois de receber as substâncias derivadas da maconha.
A conquista de valor incalculável para os pais é reflexo da luta pela liberação da cannabis medicinal intensificada desde 2010 no Brasil: a autorização de importação do produto que garante nova vida do filho de Priscila foi uma entre as mais de 70 mil já concedidas desde 2015.
Um número ainda inferior ao potencial dos medicamentos, segundo especialistas, mas que já representa um aumento de 15 vezes nas importações em 5 anos. Um mercado em expansão que promete tratar mais de 20 diferentes condições médicas e que já tem 18 produtos com autorização para venda em farmácias do país.
Levi, o filho de Priscila, tem hoje quase 10 anos. Depois de tantas consultas, a própria mãe explica de forma simplificada o que o CBD (canabidiol), uma das substâncias da cannabis, provocou no filho: “[Ele tinha uma condição cerebral] como se fossem fios desconectados… Parece que [com o CBD] as conexões se encontraram, os fiozinhos se encontraram”, afirma Priscila.
A história da vida de Levi é difícil desde o primeiro dia: nasceu com 23 semanas de gestação, 600 gramas e 30 centímetros. Quase não sobreviveu em 4 meses de UTI e apresentou sequelas no cerebelo esquerdo, responsável pela motricidade — o andar, a coordenação, a fala, a parte de equilíbrio, até a escrita.
Levi cresceu, mas até os 8 anos não conseguia se expressar. A mãe contou que após idas e vindas a São Paulo – a família é de Roraima – chegou ao diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo ela, o menino era capaz de repetir frases ditas recentemente pelos pais, nada além disso. Até receber de um psiquiatra a prescrição para o uso de cannabis.
Wilson Lessa, médico e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), foi quem receitou o medicamento no início da pandemia. A mudança passou a ser notada um mês depois do uso do óleo a base de CBD. Segundo ele, já foi demonstrado que os níveis de endocanabinoides (canabinoides produzidos no próprio corpo) em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) são reduzidos.
“A modulação positiva do sistema endocanabinoide do Levi com o uso de um óleo rico em CBD ativou a neurogênese (criação de neurônios) e sinaptogênese (criação de sinapses), o que permitiu, através de estímulos adequados, a formação de novos comportamentos”, explicou o psiquiatra.
O nosso corpo tem um sistema chamado de endocanabinoide e as substâncias da planta conseguem “se ligar” a ele.
Relacionada direta ou indiretamente a esse sistema está uma lista de condições, transtornos ou doenças descritas em diferentes estudos com derivados da maconha. Estão no holofote da ciência e, inclusive, do mercado farmacêutico internacional: epilepsia refratária, esclerose múltipla, TEA, Parkinson, Alzheimer e até doenças mentais como depressão e ansiedade.