O Ministério Público Federal (MPF) e a União chegaram a um acordo nesta quinta-feira (10) para que R$ 42,7 milhões sejam destinados a um programa de fiscalização de barragens de rejeitos de mineração em todo o país. A Justiça Federal já deu seu aval e homologou os termos pactuados, que incluem a contratação de servidores e a aquisição de equipamentos. As atividades deverão ser planejadas e executadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) entre 2019 e 2021.
As inspeções começarão por Minas Gerais, que terá prioridade levando em conta o histórico recente de tragédias. Em novembro de 2015, o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco deixou 19 mortos em Mariana, destruiu comunidades e causou poluição ambiental em diversos municípios da Bacia do Rio Doce. Já em janeiro deste ano, mais de 250 pessoas morreram após uma estrutura de Vale romper-se em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Conforme dados da ANM, o estado de Minas Gerais concentra 51,5% das barragens de mineração do país. São 219 de um total de 425 estruturas enquadradas na Política Nacional de Segurança de Barragens, que foi estabelecida pela Lei Federal 12.334/2010. Desde a tragédia de Brumadinho, a Vale paralisou as operações em dezenas de estruturas sediadas em municípios mineiros. Outras mineradoras, como a Arcelor Mittal e a Emicon, também têm barragens com atividades suspensas.
O acordo de hoje foi selado dentro do julgamento de uma ação civil pública movida em abril deste ano, pouco mais de dois meses após a tragédia de Brumadinho. O MPF pedia à Justiça Federal que a União e a ANM fossem obrigadas a realizar inspeções em todas as barragens de mineração consideradas inseguras ou com segurança inconclusiva. Além disso, cobrava um plano de reestruturação da atividade fiscalizatória.
Os R$ 42,7 milhões destinados às inspeções serão adicionais, não podendo ser subtraídos do orçamento da ANM. Os recursos virão dos ministérios de Minas e Energia e da Economia. Além disso, a União comprometeu-se a encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei para garantir à ANM incremento de R$ 7 milhões em seu orçamento de 2019, verba que deverá ser aplicada no reforço das ações de fiscalização.
O acordo também prevê a contratação de uma assessoria técnica especializada na fiscalização de barragens para auxiliar nos trabalhos e na compra dos equipamentos necessários. Está prevista a compra de veículos, drones, notebooks, licenças de softwares modernos da área de geotecnia e outros equipamentos.
Ficou acordada também a realização de concurso público para contratação de 40 servidores públicos efetivos para a ANM, sendo 20 no próximo ano e mais 20 em 2021. De acordo com o MPF, a Agência Nacional de Mineração, criada em 2017 em substituição ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), vinha sendo submetida a um constante sucateamento estrutural, impactando seu funcionamento. “Nos últimos anos, a União realizou diversos concursos públicos para vários cargos em diversos órgãos, mas nenhum para o DNPM, nem posteriormente para a ANM”, diz o MPF.
Outro ponto pactuado diz respeito ao treinamento e aperfeiçoamento do corpo técnico da ANM. Os servidores contarão com apoio para fazer cursos de pós-graduação e de capacitação, inclusive no exterior: foram listados cursos de comissionamento de barragens no Canadá, de monitoramento no Chile e de aproveitamento de rejeitos na Austrália.
Falta de recursos
A falta de recursos humanos e financeiros no extinto DNPM já havia chamado a atenção da Controladoria-Geral da União (CGU). “A projeção de aposentadorias para os cinco próximos anos equivale a 52% do quadro de pessoal efetivo em 2017. A expectativa, se não for revertida, pode tornar inviável a atuação da entidade sobre a atividade minerária do país”, diz um relatório publicado em 2018, que trazia os resultados da análise do exercício de 2017. O documento também registra que a falta de verba poderia colocava em risco o cumprimento de metas estabelecidas.
As preocupações não eram novas e já apareciam em outro relatório, elaborado pela CGU três anos antes, que avaliava o exercício de 2014. O documento foi publicado em 2015, mesmo ano da tragédia de Mariana, e destaca que um terço dos servidores reunia as condições para a aposentadoria, havendo assim risco de colapso administrativo a partir de 2016. Para que a autarquia possa atender as expectativas do setor mineral do país, é necessária a recomposição de seu quadro de pessoal para o cumprimento de suas competências institucionais, dizia o relatório.
O último concurso no DNPM foi em 2010. A CGU constata que, de 2009 a 2013, houve aumento de 24,9% na força de trabalho do órgão, o que seria insuficiente para acompanhar a crescente demanda de trabalho. No mesmo período, o número de processos de mineração cresceu 94,18%.
O próprio DNPM fez um alerta no seu relatório de gestão do exercício de 2015, publicado em março de 2016. “Ao observar os indicadores apresentados, conclui-se que um órgão de mais de 80 anos. que realizou apenas dois concursos públicos, com evasão de 20% da mão de obra contratada para a carreira em formação, e 36% de sua força de trabalho com abono de permanência, somado ao baixo investimento na capacitação, está em vias de um colapso”, registra o documento.
Os alertas não foram levados em conta. Dias após a tragédia de Brumadinho, a ANM informou publicamente que tinha apenas 35 fiscais para vistoriar as barragens no país.
Grau de risco
O cronograma de fiscalizações deverá ser elaborado a partir da divisão das barragens em três grupos conforme o grau de risco. No primeiro grupo, cuja inspeção deverá ser prioritária, estarão as estrutura situadas em Minas Gerais que não disponham da declaração de condição de estabilidade dentro da validade ou que não foram consideradas estáveis. A ANM deverá vistoriá-las em até seis meses. O prazo começa a contar 30 dias após a homologação do acordo.
O segundo grupo é formado pelas barragens situadas em Minas Gerais que, embora estejam regulares e com a declaração de condição de estabilidade em dia, são classificadas pelo alto dano potencial associado (DPA). Em outras palavras, são estruturas que causariam grande impacto em um hipotético caso de ruptura. Nesse caso, o prazo para a vistoria é de 10 meses contados 90 dias após a homologação do acordo.
As últimas barragens vistoriadas serão as que se situam nos demais estados do país e que estão com a declaração de condição de estabilidade dentro da validade ou que não foram consideradas estáveis. Para o terceiro grupo, o prazo é de 14 meses contados 180 dias após a homologação do acordo.
Nádia Franco