Mulheres vítimas de violência doméstica podem pedir o afastamento temporário de até seis meses de situações em que elas possam ser agredidas novamente, é o que diz o art. 9º, §2º, II, da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), de 7 de agosto de 2006, que além de punir o agressor, garante que durante esse período a empresa privada é proibida de demitir a funcionária. Se a mulher for funcionária publica, é possível a remoção para outra unidade, tanto da administração direta ou indireta.
E foi com base nesse ordenamento que S.S.V., vítima de agressões graves do companheiro, conseguiu reestruturar sua vida após o rompimento da relação abusiva. “Ele sabia dos meus horários de entrada e saída do trabalho, sabia o lado da cama que eu dormia, sabia todos os meus hábitos. Como me livrar de uma pessoa assim, que é criativo para a maldade? Não gosto nem de imaginar o que ele seria capaz se eu dissesse na cara dele que estava indo embora!”, questionou.
O caso ilustra bem a situação vivida por muitas mulheres que tentam romper os laços de uma relação abusiva. “Como que eu deixava o casamento? Para onde eu iria? Eu não sabia a reação que ele teria ao anunciar que iria deixá-lo. Tinha um arsenal lá em casa com 6 armas, munições. Certamente ele iria me perseguir”, pontuou S.S.V.
A história iniciou no ano de 1995, quando S.S.V. conheceu o companheiro no qual conviveu por 23 anos. Destes mais da metade foram de sofrimento, aprisionamento e abusos de todas as naturezas – como narrou S.S.V.. “No começo era muito bom prestativo, atencioso e companheiro. Depois começou a ter muitos problemas com o filho, a ex-mulher, os familiares. Fazia-me pagar as compras do mês, o plano de saúde, tudo… Quando ele soube que eu tinha uns direitos para receber (URVs), logo disse gastaria tudo. Eu não podia ficar sentada no sofá quando ele estava em casa, precisava fingir que estava fazendo alguma coisa”, disse.
O rompimento
A gota d’água foi o dia que o companheiro, em 2018, lhe deferiu socos ao descobrir que estava guardando dinheiro para ir embora. “Foram meus colegas de trabalho que me deram a mão e chamaram imediatamente a doutora Ana Graziela que conversou e me explicou sobre os meus direitos. Naquele dia à tarde, quando ele veio me buscar no trabalho, a polícia o prendeu em flagrante. Ficou 3 dias preso e foi nesse período que fui em casa peguei minhas roupas e abandonei tudo que tinha. Passei os dias com meus familiares e meu advogado solicitou o meu afastamento do trabalho. Esse período foi de suma importância para recuperação e para que eu pudesse reestruturar minha vida, alugar apartamento, compra alguns móveis e voltar ao trabalho”, pontuou S.S.V..
Ordens como essa são dadas para casos específicos, conforme explicou a juíza da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa. “Por exemplo, quando o agressor pode esperar a vítima na porta do local de trabalho, durante o trajeto até a empresa ou até mesmo se o casal trabalha junto. A medida é aplicada em casos de violência doméstica ou familiar, para evitar a violência física ou psicológica. A ordem é dada por um juiz de varas de violência doméstica”, explicou a magistrada.
Com o olhar distante e esperançoso, depois de um relato doloroso para a concretização dessa reportagem, S.S.V vê dias melhores e paz no coração. “Uma simples ida ao mercado é tão prazerosa que fico até surpresa. Antes quando ele chegava ao supermercado me xingando e perguntando para que eu ia levar isso ou aquilo se eu era uma idiota na cozinha e não sabia fazer nada. Hoje posso acordar a hora que quero, ir onde desejo, comprar aquilo que sonho sem prestar contas ou ter que ficar refém de uma pessoa doentia”, concluiu. Além do afastamento do trabalho S.S.V carrega consigo um botão do pânico que dá sinais sonoros caso o agressor se aproxime dela em um raio de 1km.