Superlotada, Pastoral do Migrante pede socorro: “não somos um depósito de gente”

Fonte: OLHAR DIRETO

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Famílias com malas nas mãos, crianças chorando e com fome, sonhos e mais sonhos na cabeça, e somente uma frase: não há vagas. Esta é a dura resposta que a coordenadora da Casa do Migrante, Eliana Vitalino, tem que dizer aos cerca de dez imigrantes – em sua maioria venezuelanos e cubanos – que chegam diariamente à procura de abrigo. Hoje, a casa, que comporta cem pessoas, já dá asilo para 130, numa improvisação constante. No entanto, Eliana não vê perspectiva de melhora, já que a fila de espera para conseguir regularizar os documentos já chega a fevereiro e, enquanto não encontrarem trabalho com carteira assinada, os que estão abrigados não podem sair dali. Para ela, a situação é emergencial e desesperadora: “Não somos um depósito de gente”, lamenta.

A Casa já existe desde 1980. Somente Eliana já trabalha ali há mais de dez, e lembra que, no início, seu intuito era receber brasileiros que vinham trabalhar no interior do Estado. Hoje, o perfil mudou, com 80% de abrigados venezuelanos. Mudou também em relação ao ano passado, quando a maioria dos que chegavam eram haitianos. Eles vêm principalmente de Boa Vista, Roraima, onde diariamente entram cerca de 800 imigrantes, que depois se espalham pelo Brasil.

“A gente pergunta por que Cuiabá, e falam, ‘ah eu ouvir que tem mais emprego’, ou o dinheiro deu para chegar até aqui. Tem casos de pessoas que foram roubadas, tem casos de pessoas que querem ir para Curitiba e compraram passagem para Cuiabá. Tem até um caso de uma haitiana que foi abandonada no aeroporto por um primo e não era nem para descer aqui, era para Curitiba. Chegou sem falar uma palavra de português”, conta a coordenadora.

Quando chegam, a primeira providência a ser tomada é fornecer alimento, pois todos chegam famintos. Logo depois, a assistente social explica a incapacidade da Casa do Migrante de abrigar novas pessoas, e os leva até o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) ou até o Conselho Tutelar, quando há crianças junto. Infelizmente, no entanto, os abrigos da Prefeitura também estão lotados. “Parece que o município não está preparado para o aumento da demanda, e a demanda está aumentando cada dia mais”, lamenta Eliana.

Os que conseguem vaga na casa devem, teoricamente, ficar por apenas 45 dias. Mas esta não é a realidade. “Seria um prazo que a equipe do eixo de trabalho teria para conseguir, através das negociações, dos acordos que estão sendo feitos, da sensibilização, uma vaga de trabalho. [Mas para] essa pessoa chegar, arrumar sua documentação e ser encaminhada para o mercado de trabalho, receber seu primeiro salário e conseguir alugar um quarto, o [prazo] não é real. Muitas pessoas, dependendo do caso, se está doente, se é gestante, acabam ficando seis meses ou um pouco mais. Já ficamos com um aqui por nove meses, que era doente”, explica.

Para sair da casa, muitas vezes as famílias se juntam e alugam um quarto em conjunto. Outro problema na hora de sair está na falta de móveis – doação que a Casa mais precisa neste momento. “Quem está na casa está protegido. Está com três refeições garantidas, não falta leite para as crianças, graças a doações, mas aquele que está fora da casa, às vezes não conseguiu seu trabalho, já foi demitido, ou a situação está difícil, está doente… muitos conseguem superar e ser protagonista da sua vida, mas muitos também não conseguem, principalmente as mulheres, semianalfabetas, que não falam português, não tem o tino para comércio, então a gente vai tentando fazer cursos e desenvolver, e também quando vem aqui a gente divide o que tem”.

Perspectivas

As perspectivas de Eliana para o futuro não são boas. Segundo ela, apesar de a Casa do Migrante ser uma instituição filantrópica, que vive de doações, muitas vezes é responsabilizada pelo aumento da demanda, e cobrada para procurar soluções. Recentemente, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT) provocou uma ação emergencial para abordagem de famílias venezuelanas pelas ruas de Cuiabá, para adverti-las para que não deixassem crianças e bebês nos semáforos e rotatórias, expostos ao sol e ao clima seco, à poluição e aos riscos das ruas, sem alimentação e hidratação adequadas.

“As pessoas às vezes se incomodam com isso. A Promotoria da Infância já acionou o município, já acionou o Conselho Tutelar, inclusive a Casa do Migrante, para ir junto fazer essas abordagens, explicar que isso fere o Estatuto da Criança. Mas às vezes a mãe veio com um filho e deixou dois na Venezuela. Então todos os que estão aqui tem necessidade urgente de encaminhar recursos. Está todo mundo lá passando necessidade extrema. Elas falam que tem criança lá comendo só mandioca, isso quando tem”, lamenta. Desesperados para mandar recursos, e sem documentos para conseguir trabalhar com carteira assinada, os imigrantes tem de ‘apelar’ para a mendicância.

Outro problema da Casa é em relação aos trabalhos, já que só aceita empregos com carteira assinada, e durante o dia. “A diária a gente não encaminha, porque a gente não sabe o que pode acontecer. Pode até ser bom, mas se pega uma diária – como já aconteceu – de arrumar um telhado, cai do telhado, e aí? Quem vai segurar a família? Não tem seguro nenhum. Por isso que nós temos aqui a Organização Internacional do Trabalho e o Ministério do Trabalho. Aí vão trabalhar a noite, sem carteira assinada? Não dá. Aqui é um bairro perigoso, o portão fecha às 18h30, depois vai abrindo para os que chegam. Mas tem algumas coisas que não estão na nossa capacidade”.

A solução, para a coordenadora, só virá por meio de políticas públicas, e tratando a questão da imigração como emergencial. Somente em 2019, a Casa recebeu de 900 a mil pessoas, e o número não deve diminuir tão cedo. Uma das opções seria construir novos abrigos, caso contrário, os imigrantes – sem ter para onde ir – acabarão nas ruas.

“A gente não quer privilégio para o imigrante, a gente quer abrigo para todos. A situação da população brasileira de rua demanda uma política de habitação, de saúde. A política de imigrantes neste momento seria de abrigo temporário. Então a gente tem que saber diferenciar e priorizar um pouco as coisas. E as duas situações são terríveis e merecem solução, e a solução vem por meio da política”, finaliza a coordenadora.

Outro lado

A Prefeitura de Cuiabá e o Estado se manifestaram sobre o assunto por meio de nota.

Leia a íntegra:

A situação dos venezuelanos, assim como de outros imigrantes que chegaram e chegam constantemente em Mato Grosso, em busca de uma oportunidade melhor de vida, é acompanhada de perto pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc). Embora a implementação de medidas e programas específicos para este público seja de responsabilidade direta dos municípios e da União, o Governo do Estado, por meio da Setasc, realiza frequentemente ações sociais com as entidades que trabalham diretamente com apoio aos estrangeiros.  A Setasc tem destinado produtos para Casa do Migrante, em Cuiabá, como biscoitos, leite em pó, achocolatado, feijão, arroz, produtos de limpeza e de higiene pessoal, entre outros, beneficiando 104 moradores na Casa que vieram da Venezuela, Cuba e do Haiti. Também recentemente foram doados cobertores para a Casa do Migrante. A secretária Rosamaria Carvalho já adiantou que o assunto do apoio e atendimento aos imigrantes, que não é uma questão isolada de Mato Grosso, é debatida no Fórum Nacional de Secretários(as) de Estado da Assistência Social, com intenção de buscar meios para que os Governos possam executar programas de atendimento direto a estes públicos.

Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania
 
Os migrantes são orientados a procurar os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) para serem cadastrados e serem beneficiados com os programas sociais. Além disso, temos os albergues municipais que fazem esse abrigamento provisório.

Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento Humano

Serviço

Centro de Pastoral para Migrantes
Endereço e telefone para doações:
Av. Gonçalo Antunes de Barros, 2785 – Carumbé, Cuiabá
Telefones: (65) 3641-1451/ (65) 99958-3343

Sou Dayelle Ribeiro, redatora do portal CenárioMT, onde compartilho diariamente as principais notícias que agitam o cotidiano das cidades de Mato Grosso. Com um olhar atento para os eventos locais, meu objetivo é informar e conectar as pessoas com o que acontece em suas cidades. Acredito no poder da informação como ferramenta de transformação e estou sempre em busca de trazer conteúdo relevante e atualizado para nossos leitores. Vamos juntos explorar as histórias que moldam nosso estado!