A toque de caixa e de forma afrontosa à decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), a Prefeitura de Rondonópolis, mais uma vez com anuência da Câmara Municipal, protagonizou uma manobra para burlar a Constituição Federal e ampliou o número de cargos irregulares na Secretaria Municipal de Transparência Pública e Controle Interno (Setraci).
Em acórdão estabelecido em agosto de 2021, o desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha, relator da Ação Direta de Constitucionalidade (ADI 1018096-68.2020) chegou a advertir o município em razão das tentativas de burlar o Poder Judiciário criando novas legislações para descumprir acórdãos do TJMT, além disso, apresentar embargos de declaração protelatórios, atitude que o relator aponta como “vontade do embargante em tumultuar” uma questão que já foi “amplamente discutida no plenário do Supremo Tribunal Federal e no Órgão Especial plenário do TJMT”.
“Repiso, atitude que beira a má-fé, motivo pelo qual fica advertido, desde já, das penalidades previstas nos arts. 1.026 e 81, ambos do Código de Processo Civil”, assevera o relator.
Na última manobra realizada pela Prefeitura de Rondonópolis às vésperas do Natal, o Poder Executivo encaminhou um pacote de “reformas” ao Poder Legislativo municipal, incluindo alterações na Lei Complementar 331, de 16 de julho de 2020. Essa legislação criou a Secretaria Municipal de Transparência Pública e Controle Interno já como forma de não cumprir o primeiro acórdão do TJMT que tratou sobre cargos irregulares na Unidade de Controle Interno do município, inclusive a livre nomeação de controladores e outras funções sem a realização de concurso público.
Dessa vez, a nova legislação aprovada em duas votações e já publicada em diário oficial do município do dia 22, piora a situação da Setraci, mantendo a possibilidade de livre nomeação para os cargos de chefia do controle interno e criando mais três funções que poderão ser preenchidas por comissionados, ampliando as irregularidades na secretaria.
Agora, além do secretário municipal de Transparência Pública e Controle Interno, e outros sete cargos de coordenação, que foram criados para ocupar a Setraci, também foram criados: assessor jurídico, coordenador de ouvidoria municipal e assessor de triagem, recepção e difusão de solicitações.
Foram mantidos os cargos que em agosto de 2021 foram declarados inconstitucionais, sendo: Gerente de Departamento de Planejamento Estratégico, Normatização e Transparência; Gerente de Departamento de Gerenciamento do Aplic; Gerente de Departamento de Auditoria e Controle Interno; Gerente de Núcleo de Acompanhamento e Desenvolvimento Institucional; Gerente de Núcleo de Controle Interno; Gerente de Núcleo de Padronização de Processos e Gerente de Núcleo de Transparência.
Controladores reagem
A Associação dos Auditores e Controladores Internos dos Municípios de Mato Grosso (Audicom-MT), autora das duas ADIs que já debateram a situação de irregularidade no Controle Interno de Rondonópolis, informa que não vai se calar diante de mais essa manobra do município.
Em nota, a associação afirma que vai comunicar nos autos do processo que julgou, por unanimidade, a inconstitucionalidade dos cargos que foram reeditados, destacando ao TJMT a prática reiterada que visa burlar a lei a as decisões judiciais.
“A AUDICOM-MT também vai comunicar o caso ao conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, relator das contas de Rondonópolis, sobre os atos de gestão ilegais, que descumprem decisões do TJMT e do próprio TCE em diversos processos. Nosso pedido será no sentido de o TCE conceder uma medida cautelar para suspender os efeitos da legislação ilegal”, destaca a nota.
Por fim, a associação informa que vai comunicar o procurador-geral do Ministério Público de Contas e solicitar medida que suspenda a legislação ilegal.
Além dessas iniciativas, a Audicom ingressará com um pedido de intervenção como amicus curae na ação civil pública (n. 1026437-74.2020.8.11.0003) movida pelo Ministério Público de Mato Grosso, por meio da promotoria de justiça de Rondonópolis, contra o município, para que o obrigue a cumprir os acórdãos já definidos pelo TJMT (ADIs nº 1010030-36.2019.8.11.0000 e 1018096-68.2020.8.11.0000).
Cargos comissionados inconstitucionais
O Ministério Público e a própria AUDICOM têm combatido os cargos comissionados na Setraci com base em entendimento já consolidado no STF. Em julgamento com repercussão geral (RE n. 1.0421.210/SP), o pleno da
Suprema Corte, com relatoria da ministra Carmem Lúcia estabeleceu as seguintes teses:
“a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais. b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.”
A assessoria jurídica da AUDICOM reforça que o problema em Rondonópolis, com informações da própria Secretaria Municipal de Governo, é que existem mais cargos comissionados do que cargos efetivos de controladores internos, sendo apenas quatro efetivos e de carreira, para oito comissionados e aos quais os efetivos se encontram subordinados “e claramente tolhidos no livre exercício do efetivo e real controle interno dos atos da administração”, conforme apontado em juízo.
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