Josilaine Maria Gomes dos Reis foi morta no dia em completaria 32 anos. Um relacionamento marcado por brigas e ameaças por parte do agressor e a não aceitação do ex-companheiro pelo fim do casamento retiraram dela a chance de comemorar a data.
Na madrugada da quarta-feira de 06 de outubro deste ano, a técnica em enfermagem, que trabalhava no Hospital Santa Casa, na Capital de Mato Grosso, foi morta a facadas dentro de sua casa, no bairro Nova Esperança, em Cuiabá, pelo ex-marido, de 50 anos, preso logo após o crime pela Polícia Militar, quando tentou tirar a própria vida. Ele foi autuado em flagrante pela Polícia Civil por homicídio qualificado (feminicídio, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e crime cometido na presença dos filhos).
O feminicídio que vitimou Josilaine está entre os casos de morte de mulheres já esclarecidos e com autores identificados em investigações da Polícia Civil, neste ano. Das 78 ocorrências de homicídios de mulheres e de feminicídios registrados, 77% deles foram esclarecidos, com 60 autores identificados e 37 deles presos em flagrante ou por mandado de prisão decorrentes das investigações.
Um levantamento produzido pela Gerência de Inteligência Estratégica, da Diretoria de Inteligência da Polícia Civil, traz ainda dados sobre o principal local e meio empregado nos crimes de homicídios de vítimas femininas, além da apuração sobre solicitação de medidas protetivas.
O estudo aponta que 56% das mortes ocorreram nas residências das vítimas. Já o principal meio empregado pelos autores nos crimes foi a arma branca, em 38% dos casos. O emprego desse tipo de arma chama a atenção no levantamento, em função de ser um tipo de objeto presente em todos os lares e que tem reflexos relacionados também à pandemia, em que o isolamento social foi necessários, com as vítimas mais tempo no ambiente doméstico, diferente do meio empregado em anos anteriores, quando a arma de fogo foi o principal instrumento utilizado em homicídios de vítimas femininas.
Medidas protetivas
A história de Josilaine se soma à de outras vítimas do crime de feminicídio. Inconformado desde que ela decidiu se separar, o autor do crime arrombou a porta da casa e surpreendeu a enfermeira, a atacando na presença dos três filhos dela, um inclusive filho dele. A técnica de enfermagem estava dormindo, quando recebeu os primeiros golpes, que terminaram dentro do banheiro. Depois de matá-la e também atentar contra a própria vida, o criminoso pediu às crianças que fossem até um vizinho para avisar sobre o que ele havia praticado.
Conforme apurou o levantamento da Diretoria de Inteligência, a maior parte das vítimas dos feminicídios ocorridos no ano passado e neste ano nunca havia solicitado medida protetiva, mecanismo previsto na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que determina que o agressor deve se manter afastado da vítima.
Dos 48 feminicídios ocorridos em 2020, apenas duas vítimas tinham medida protetiva requerida. Entre os 40 feminicídios registrados até outubro deste ano, apenas cinco mulheres tinham a medida de proteção e 14 delas haviam registrado boletim de ocorrência por alguma situação de violência doméstica.
As agressões e ameaças eram constantes contra Josilaine. Em uma ocasião, enquanto a vítima se recuperava de uma cirurgia, foi agredida, o que causou rompimento dos pontos. O ex-companheiro a vigiava constantemente, inclusive criando perfis falsos em rede social. Mas, Josilaine estava decidida pelo fim do relacionamento e disse a familiares que mesmo estando próximo de seu aniversário, não faria comemoração, diante das constantes ameaças e perseguições sofridas do ex-companheiro.
Entre janeiro e outubro deste ano, a Polícia Civil contabilizou 11.984 requerimentos de medidas protetivas. As cidades com os maiores números de solicitações são Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Cáceres e Sorriso.
Os policiais civis que atenderam a ocorrência da morte da técnica de enfermagem apuraram junto a familiares de Josilaine que ela não desejava mais continuar o relacionamento e havia dito ao ex-convivente, na véspera do crime, que faria um pedido de medida protetiva contra ele. Em uma postagem em rede social, a técnica de enfermagem desabafou: “O Brasil que eu quero para o futuro é onde uma mulher pode terminar sim um relacionamento, sem ser agredida! Ninguém é dono de ninguém!”.