Um estudo científico liderado pela professora e pesquisadora da Universidade do Estado de Mato Groso (Unemat), Jocineide Macedo Karim, doutora em linguística e uma estudiosa das variações sociolinguísticas, descobriu que o falar mato-grossense tem relação com as raízes coloniais, e pode estar associado ao sotaque do norte de Portugal. A pesquisa ainda está em curso, mas, segundo a professora, é necessário entender que o falar é um patrimônio cultural que precisa ser preservado e merece ser valorizado, e não discriminado.
Jocineide tem como objeto de estudo o jeito de falar nas comunidades afrodescendentes dos quilombos e também nas comunidades tradicionais de Mato Grosso. “A Variação Linguística em comunidades afro-brasileiras da região Centro-Oeste do Brasil”. A investigação vai levantar informações sociolinguísticas de comunidades quilombolas nas cidades de Cáceres, Poconé e Vila Bela da Santíssima Trindade.
A professora explica que a pesquisa demonstra a relação dos fatores socioeconômico, geográfico e culturais com o modo de preservação da fala. O falar presente nessas comunidades quilombolas segue o mesmo padrão encontrado em diversas cidades de Mato Grosso, constituídas durante o período do Brasil Colônia, colonizadas por bandeirantes vindos de São Paulo e por portugueses que vieram do norte de Portugal.
“A nossa fala (fala do mato-grossense, das comunidades tradicionais e comunidades de afro-descendentes) está muito atrelada aos usos linguísticos daquele tempo. Nós temos encontrado nessas comunidades o português padrão, o português popular, o português arcaico e temos usos linguísticos que vieram com os portugueses colonizadores do norte de Portugal”, explica.
Para Jocineide, os estudos mostram que Mato Grosso formado durante o período do Brasil Colônia tem traços linguísticos muito parecidos, já o Mato Grosso formado depois do período do Brasil Colônia é outro.
A manutenção dessa forma de falar, então, é uma expressão cultural e de identidade, e se mantém porque as mudanças linguísticas ocorrem lentamente. Além disso, segundo a professora, nessas comunidades ocorreu um relativo isolamento.
Em sua pesquisa, ela procura descrever a variação linguística encontrada fortemente em Mato Grosso, e que está bem preservada dentro dessas comunidades quilombolas. Jocineide lembra que entre as pessoas mais idosas, com mais de 55 anos, que se mantém nessas comunidades o falar marcado por usos linguísticos como “djá”, o “djé”, o “tché” que estão presentes no “petche”, “catchorro”, “dgente”, “atchei”, “djeito” é muito mais marcado. “Essas são formas ainda estão muito presentes, ainda nos dias de hoje, no norte de Portugal”.
Também é comum encontrar o traço de concordância nominal de gênero, como “vou no mamãe”, ou como “nossa infância era maravilhoso”. Também temos a alternância do ditongo [ãW] e [õ], que pode ser observado por exemplo em pão, que se fala “pón” “mamón”, “irmon”e que também está presente em Portugal, bem como o alçamento da vogal central baixa [a] em ambiência nasal, como por exemplo: “tudo, aqui cánta, dánça cururu, baile”.
Outros usos linguísticos encontrado nas falas dessas comunidades vêm do português rural e também do português popular, que se caracteriza pelo rotacismo que é a troca do “L” pelo “R”, como em “bicicreta”, “probrema” “Cróvis”, “craro”. A professora explica que para estudar essas variações de fala é preciso entender e considerar a cultura e com isso valorizar e preservar.
“É importante saber que a língua é dinâmica e que à medida em que ela é usada vai ocorrendo sua renovação. Mas o que a gente percebe é que a direção atual é de valorizar e de preservar. O que ocorre com relação ao preconceito é que o nosso povo é um povo simples, acolhedor. O preconceito é social: o valor da fala dele é o valor que ele tem na sociedade. Então se somos uma sociedade, para os grandes centros, o interior do interior, então se forma o preconceito. Mas isso tem mudado por conta do conhecimento que vem sendo disseminado, de que esse modo de falar é uma riqueza, um patrimônio”, afirma.