Levando ao pé da letra a máxima de Milton Nascimento de que “todo artista tem de ir aonde o povo está”, a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) completa neste sábado (21) 40 anos de existência. Mais que popularizar a música erudita, ampliando público e despertando a vocação em jovens, como ocorreu com muitos de seus atuais integrantes, sua missão quebra as barreiras tradicionais, levando do erudito às trilhas de cinema, dos clássicos da MPB e do pop rock Estado afora, criando uma família que abriga os recém-chegados, e, sobretudo, com a certeza de que ainda há muito por fazer.
Idealizada pelos professores Gabriel Novis Neves, reitor fundador da UFMT, e Pedro Benedito Dorileo, ambos homenageados na temporada do ano passado respectivamente nas séries sinfônica e de câmara, a Orquestra, nestes 40 anos, tem muitas histórias a contar. De, nos primeiros momentos, empurrar ônibus atolado em estradas de terra, a infraestruturas pouco adequadas e acomodações nada acolhedoras – que se transformaram em aprendizado –, um orgulho: nenhum contratempo impediu a realização de qualquer espetáculo nesta trajetória. “A gente tem, além do compromisso profissional, um amor inerente à música”, sintetiza o atual maestro, Fabricio Carvalho.
Entre a bola e a corda
Além de Fabricio Carvalho, Edson Assunção e Henrique Ribeiro compartilhavam outra paixão na época de adolescência: as partidas de futebol, jogadas sempre antes dos ensaios – mas não com tanta afinação como na flauta, violino e viola, respectivos instrumentos do trio.
O violista Edson Assunção respira o cotidiano da Orquestra desde 1983, quando, aos nove anos, começou a aprender o instrumento. Filho de Domingos Vieira de Assunção, que integrou o grupo, o músico, desde 2009, acumula o cargo de supervisor, dividindo a atuação no palco e nos bastidores. “Como músico, tenho muita satisfação de levar a música. Até pouco tempo atrás, éramos praticamente Já orquestra do Estado. Depois surgiram outras, o que é bom porque divide as responsabilidades, e nos dá um parâmetro para saber se estamos fazendo um bom trabalho”, conta.
“Como supervisor, você vê o resultado acontecendo. Mesmo com problemas que às vezes surgem, ver depois o sucesso da apresentação dá uma satisfação pessoal por ter contribuído para aquilo acontecer”, completa o músico, que tem uma definição bem particular sobre sua atividade. “A orquestra é meu trabalho, mas não vejo assim. Faço com prazer”, sintetiza.
Já Henrique Ribeiro tem (um pouco mais) de vivência na Orquestra. Seu pai, o violoncelista Conrado Correa Ribeiro, iniciou o Núcleo de Cordas em julho de 1980, e o violinista já frequentava o espaço desde 1981. “Era uma brincadeira de criança. Comecei com seis anos de idade, mas era como se estivesse jogando bola. O violino fazia parte dessa questão lúdica e para mim. Nunca foi um trabalho ou um planejamento. Tornei-me músico por uma consequência dessa coisa lúdica”, explica.
Questionado de como seria Mato Grosso sem a existência da Orquestra, o músico diz que é uma pergunta que não tem como responder. “Não tem como você vislumbrar uma vivência sem uma Orquestra no Estado como difusora de cultura. Naquela época, a Universidade vivia a questão da redemocratização, era uma efervescência que transpassava a questão da cultura, era uma questão de cidadania também”, reflete.
Yllen Almeida, spalla e vice regente, tem uma experiência idêntica a de Edson Assunção e Henrique Ribeiro – no desejo de jogar futebol e na iniciação musical. Filho de Paulino Almeida, também violinista e integrante da Orquestra, a experiência musical começou na escola de formação da UFMT aos sete anos. “Como não tinha ninguém para ficar comigo em casa, tinha que vir para o ensaio. Em dezembro de 1989 me apresentei pela primeira vez com a Orquestra”, relembra.
O músico saiu de Cuiabá e foi para Belo Horizonte (MG), onde aperfeiçoou a técnica e ganhou o mundo. Após 15 anos, em 2009, resolveu voltar. A razão? O sentimento de trazer a experiência que teve ao tocar seja em orquestras ou com músicos do Clube da Esquina não esporadicamente, quando aproveitava para rever os familiares e, claro, participar pontualmente de algumas apresentações. “[Quando retornei a Cuiabá] Quis trazer a experiência do que estava começando a acontecer, que era a orquestra tocar música popular e rock’ n roll. A Orquestra da UFMT me ajudou a me tornar um grande músico e agora era a vez de voltar e entregar essa experiência”, aponta ele.
Cartazes nas paredes, retratos na memória
Os maestros Konrad Wimmer, Marcelo Bussiki, Ricardo Rocha, Roberto Vitório, Silbene Perassolo conduziram a orquestra por aproximadamente 18 anos. Já Fabricio Carvalho, segue a missão e completará 22 anos frente à Orquestra da UFMT em dezembro deste ano. No entanto, sua história começa antes mesmo do seu ingresso como flautista, em janeiro de 1995, e sua estreia na regência: o ponto de partida foi o ingresso como bolsista, em 1986, aos 12 anos.
E a relação construída, segundo o maestro, é muito natural e, até certo ponto, familiar. “Amo esses caras, a Orquestra como um todo. Minha mãe, Nilza Cirillo de Carvalho, me ajudava nos concertos no início da carreira, meus irmãos [Priscila e Álvaro de Carvalho] tocaram e um [Eduardo de Carvalho] ainda toca”, recorda. “Minha mãe tinha muito orgulho da Orquestra. Ela mandava fazer um quadro com todo cartaz de espetáculo. Tem essa ligação afetiva com o trabalho e tudo que você faz com amor a tendência é dar certo. Estudei, fiz mestrado em regência e sempre tive o apoio desses músicos. Nunca nenhum deles falou que eu não tinha condição, sempre me ajudaram. Não tem como não ter amor. Quero terminar meus dias à frente da Orquestra e ao lado destes músicos”, complementa.
Porém, isso não significa viver com um olhar fixo no passado. O presente e, principalmente, o futuro seguem na pauta das temporadas. “ A cada ano a gente inventa algo diferente para criar essa sensação de coletivo, de uma estrutura da sociedade e continuar formando público”, diz Fabricio Carvalho. “Nos últimos dois anos, tivemos a contratação de quatro novos músicos, excelentes como profissionais e também como professores, formadores de novos músicos. A Orquestra precisa ter esse compromisso da formação porque Mato Grosso não tem uma escola de música estadual, que forma músicos. Depende da UFMT e de seus projetos voltados à música e isso é muito pouco”, analisa.
Como na canção de Milton, “se foi assim, assim será”
Integrante da Orquestra em maio do ano passado, a violista Fernanda Pavan sabe dos desafios que a aguardam para manter o padrão de excelência alcançado e a referência do trabalho desenvolvido, um patrimônio para o Estado. Vinda da Filarmônica de Goiás, a musicista conta que sempre teve vontade de trabalhar em uma universidade. No entanto, não esperava a receptividade alcançada.
“Foi uma coisa diferente do que estava acostumada. Em orquestra, a gente não tem muito esse acolhimento, principalmente por parte dos músicos. É sempre uma competitividade muito alta, o que tem seu lado bom, mas acaba deixando um pouco de lado a questão de relação. E isso faz a gente identificar melhor o que o público gostaria de ouvir da gente. Fui muito agraciada de estar aqui convivendo com pessoas maravilhosas, só tenho a agradecer e quero também poder contribuir com eles”, relata.
Sobre o primeiro contato com o Estado de Mato Grosso, Fernanda Pavan define como um privilégio e uma oportunidade. “Faço muitas coisas aqui das quais não tinha muita oportunidade e de fazer. Isso foi um ponto importante quando cheguei aqui. Fui muito bem recebida. Eu vejo a necessidade que os músicos têm, são empenhados, e o quanto eles têm sede de ter o mínimo, que é ter o material humano necessário para realizar as coisas”, analisa.
Ciente da responsabilidade para o futuro, a música espera muitas vitórias. “Desejo muitas coisas boas, mas na prática a gente aprende mais com as dificuldades. Pessoas que tem sabedoria aprendem a superar as dificuldades com essas adaptações. São nos momentos de crise que surgem as novas ideias. Espero que a gente tenha persistência e espero ter a força e determinação das pessoas que estão aqui há 40 anos de dar continuidade a esse trabalho de tanto esforço. Eles são a minha inspiração”, finaliza.