A Justiça do Trabalho reverteu a justa causa aplicada a uma enfermeira que denunciou irregularidades no Hospital Municipal de Nova Mutum- Mato Grosso. A decisão garante o pagamento das verbas rescisórias à profissional, dos salários do tempo que ficou afastada para responder à sindicância interna, além de indenização pelo período de estabilidade a que ela tinha direito por ser membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).
A condenação imposta pela Vara do Trabalho de Nova Mutum ao Instituto Santa Rosa, Organização Social de Saúde (OSS) responsável pela gestão do hospital municipal, foi confirmada pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT).
A enfermeira acionou a Justiça do Trabalho argumentando ter sido punida injustamente já que apenas havia cumprido seu papel, ante a inércia da administração do hospital diante dos problemas já informados nas condições inadequadas de atendimento. Afirmou que na qualidade de profissionais da saúde, com responsabilidades técnicas, os empregados seriam coniventes com as irregularidades e poderiam ser responsabilizados caso ficassem sem tomar nenhuma atitude.
Por esse motivo, a iniciativa de elaborar um documento, assinado conjuntamente pelos empregados. O relatório foi enviado à administração da OSS, reforçando as denúncias anteriores, e ao Município, para informar sobre a situação vivenciada pela população na unidade pública de saúde.
O Instituto Santa Rosa reiterou à Justiça que a rescisão do contrato de trabalho se deu em razão de falta grave cometida pela enfermeira. Segundo a entidade, ao redigir o documento em papel com o timbre da empresa, com informações que afirmou serem inverídicas e sigilosas, a trabalhadora teria cometido mau procedimento, violação de segredo e ato lesivo à honra da empresa, condutas que estão previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como passíveis de dispensa por justa causa.
Mas a Justiça concluiu que nenhuma falta grave pode ser imputada à enfermeira. Testemunha indicada pela própria empresa confirmou que participou de reunião com a enfermeira e outras profissionais que prestavam serviço no hospital para discutir os problemas verificados e que “algumas coisas narradas no documento estavam acontecendo”.
Outra testemunha contou que assinou o documento com a intenção de que os problemas que “já se arrastavam há muito tempo fossem resolvidos”, situação que havia sido levada ao conhecimento da diretora da unidade e nenhuma providência fora tomada. Afirmou que não houve coação na hora de colher as assinaturas e “que o documento foi feito por todos, porque todos deram opinião e tinham ciência do que estava escrito, porque era o que viviam”.
Outro trabalhador também confirmou que o documento retratava os problemas enfrentados na unidade de saúde.
Diante das provas, o juiz da Vara do Trabalho de Nova Mutum reverteu a dispensa da enfermeira para sem justa causa. O Instituto Santa Rosa recorreu ao TRT. Mas, por unanimidade, os membros da 2ª Turma mantiveram a decisão. Conforme ressaltou a relatora do recurso, desembargadora Beatriz Theodoro, ficou comprovado que os fatos narrados no ofício, cuja expedição levou à demissão da enfermeira, eram verdadeiros e assim não se pode falar em ato lesivo à honra ou boa fama do empregador.
Da mesma forma, as informações contidas no documento não tratavam de segredos da empresa, “mas sim de fatos graves que vinham ocorrendo no hospital, capazes de gerar danos à saúde das pessoas que utilizavam dos serviços prestados subsidiados pelo Município de Nova Mutum, bem como consequências para quem lá prestava serviços”.
A decisão da 2ª Turma registra trechos do documento informando que, em razão da equipe diminuta, poucos profissionais assumiam o dobro de pacientes do que é preconizado na legislação, ocasionando a desassistência ou cuidados básicos negligenciados. “Observo, além disso, que os pontos destacados pelos empregados, antes mesmo da elaboração do ofício, já haviam sido denunciados à administração do hospital e mesmo assim nada havia sido feito”, salientou a relatora.
Dessa forma, magistrada frisou que a atitude da enfermeira de elaborar o documento, juntamente com outros empregados, “não se enquadra na falta de tipificada na alínea “b” do art. 482 da CLT (mau procedimento), porque decorreu de sua obrigação profissional em denunciar qualquer irregularidade ocorrida no seu ambiente de trabalho que possa causar danos à saúde dos pacientes, sob pena de ser conivente e vir a sofrer as consequências penais cabíveis”.
Estabilidade e autonomia
Além disso, a enfermeira era da equipe da CIPA do hospital, posição que garante estabilidade no emprego até um ano após o final do mandato. A garantia, prevista na legislação, visa garantir ao cipeiro autonomia e segurança para zelar por condições de trabalho seguras e exigir do empregador as medidas necessárias para reduzir riscos e prevenir acidentes e doenças ocupacionais.
Os desembargadores concluíram estar correta a sentença, mantendo a reversão da dispensa por justa causa e a condenação do Instituto ao pagamento das verbas pelo fim do contrato de trabalho, dos salários suspensos durante o inquérito interno e da indenização pelo período de estabilidade, assim como a multa pela demora em quitar as verbas rescisórias, como determina o artigo 477 da CLT.
Com a decisão da 2ª Turma, dada no início deste ano, o processo transitou em julgado e o caso foi arquivado nesse mês de maio, após a quitação total da condenação.