A agropecuária responsável por uma fazenda em Cáceres, não poderá exigir que seus empregados atuem no combate a incêndios, salvo os da brigada treinada para esse fim, cabendo à empresa fornecer equipamentos de proteção individual adequados para a proteção integral dos trabalhadores.
As determinações constam de decisão liminar deferida no dia 27 de janeiro pelo juiz Luiz Fernando da Silva Filho, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na Vara do Trabalho de Cáceres.
A decisão estabelece ainda que a agropecuária elabore, em 30 dias, novo Programa de Gestão de Segurança, Saúde e Meio Ambiente do Trabalho Rural (PGSSMATR), com a identificação dos riscos de acidentes por queimadas na região e a execução das medidas de controle.
Em caso de descumprimento, o juiz fixou multa de 100 mil por obrigação e por empregado prejudicado. O valor deverá ser revertido a instituições sem fins lucrativos, de cunho filantrópico, cultural, científico, de assistência social ou de melhoria das condições de trabalho.
A ação judicial foi proposta após as investigações do acidente envolvendo um zootecnista da fazenda. Ele teve quase 100% do corpo queimado enquanto combatia incêndio que se alastrava na propriedade, em setembro do ano passado. O profissional acabou falecendo três dias depois, aos 35 anos de idade, deixando dois filhos pequenos.
Conforme documentação no processo, o trabalhador e os demais colegas que combatiam o incêndio não eram bombeiros civis e nem possuíam capacitação para enfrentar os incêndios que atingiram a propriedade rural. Também não haviam recebido EPIs para a proteção dos olhos, pernas e tronco.
Ao analisar o caso, o juiz lembrou que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) possui previsão acerca das atividades de prevenção de incêndios por empregados, atividades que não se confundem com o combate a incêndios, serviço de extremo perigo e, por isso, a ser realizado apenas por profissionais capacitados do corpo de bombeiros militar ou que exerçam a profissão regulamentada de bombeiro civil.
O magistrado acrescentou, ainda, que nem mesmo os brigadistas da empresa devem ser obrigados a combater incêndios já instalados. Nesse sentido, norma técnica do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso que, além de diversos requisitos específicos à capacitação dos brigadistas, estabelece como atribuição da brigada de incêndio, nas ações de emergência, apenas o combate ao princípio de incêndio, devendo ser acionado os bombeiros e/ou ajuda externa.
Desse modo, não se pode exigir dos empregados o combate a incêndios de grandes proporções, enfatizou o juiz em seu julgamento, especialmente quando exercem funções ordinárias de trabalhadores rurais. “Ademais, nos casos em que tal combate seja estritamente necessário, para salvaguarda da própria vida do empregado e de terceiros, o mínimo que se exige é que o empregador capacite adequadamente os trabalhadores, segundo as normas técnicas de segurança”, assinalou.
No caso, o zootecnista não estava sequer entre os empregados que participaram de curso de Formação de Brigada de Incêndio em agosto de 2018. Além do mais, na data do incêndio a situação estava irregular até mesmo para quem havia feito a capacitação, uma vez que o treinamento perde a validade ao fim de 12 meses e precisa ser renovado.
Assim, o juiz avaliou que a ausência de reciclagem anual comprova falta grave do empregador, em especial considerado o notório aumento de casos de incêndios rurais em Mato Grosso nos anos de 2019 e 2020.
Da mesma forma, o fato de o Programa de Gestão de Segurança, Saúde e Meio Ambiente do Trabalho Rural elaborado pela empresa não prever os riscos decorrentes das queimadas rurais também revela conduta negligente do empregador. Conforme lembrou o magistrado, a correta elaboração dos programas de proteção do meio ambiente de trabalho “é fundamental para a salvaguarda da própria vida dos empregados” e, no caso, poderia ter evitado erros de gestão na segurança da atividade, como a falta de capacitação adequada e de EPIs.
Por tudo isso, o juiz avaliou presentes os pressupostos para a concessão da tutela de urgência, ressaltando que, em reunião da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), realizada após a morte do trabalhador, a empresa tratou o evento como uma fatalidade, um indicativo de que pode não adotar espontaneamente medidas de prevenção para evitar novos acidentes.