Embora sejam assuntos cada vez mais frequentes no dia a dia escolar, as tentativas de autoextermínio (suicídio) e automutilações de alunos ainda passam despercebidas para boa parte dos profissionais das redes de ensino. Numa tentativa de mudar esse quadro, as secretarias municipais de Saúde e de Educação promoveram sexta-feira, 16, no Auditório dos Pioneiros, uma atividade de formação dirigida a coordenadores dos anos finais do Ensino Fundamental – do 6º ao 9º ano –, incumbidos de atuar como multiplicadores.
A abordagem feita nas escolas durante o Setembro Amarelo chamou a atenção da Assessoria Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação para a importância de debater e enfrentar no ambiente estudantil essas duas temáticas e outras situações de violência e aliciamento também muito comuns entre crianças e adolescentes, como abusos sexuais, uso de drogas e pedofilia.
“Nas reuniões da Rede de Apoio Psicossocial (Raps), já tínhamos percebido a grande demanda de pacientes das escolas que são atendidos pelo Centro de Atendimento Multiprofissional (CAM) e isso ficou mais claro durante as palestras do Setembro Amarelo, quando foram detectados vários casos novos de alunos que estavam apresentando essa intenção suicida”, relata a supervisora da Média e Alta Complexidade da Secretaria de Saúde, Tatiani da Rocha Andrade Lima.
De acordo com a psicóloga Ariane Benedetti, do Centro de Atendimento Multiprofissional (CAM), voltado para pacientes que necessitam de atenção individualizada, muitas vezes a pessoa que pensa em suicídio deseja apenas se livrar de uma dor – não física necessariamente – ou dos problemas e acredita que essa seja a única saída. “Os professores precisam saber como detectar os sinais emitidos pelas crianças e adolescentes, como abordar cada caso, quais recursos devem ser empregados para que o aluno confie e fale sobre o que está passando e possa ser amparado”, aponta.
Benedetti também destaca algumas características que são universais em relação à busca de autoextermínio. O número de tentativas de suicídio é maior entre mulheres, que costumam usar medicamentos, mas os casos efetivos, aqueles que resultam em morte, são bem mais frequentes entre homens e geralmente levados a termo por meio de enforcamento ou uso de arma de fogo.
Coordenadora de Centro de Atenção Psicossocial, a psicóloga Gabriela de Araujo destaca situações de bullying no ambiente escolar e nas redes sociais, a falta de diálogo e a desagregação familiar como fatores que podem levar à busca de autoextermínio ou de automutilação. “Por isso, identificar esse tipo de situação dentro de casa ou na escola, onde as crianças e os adolescentes passam boa parte do tempo, é fundamental para a prevenção e enfrentamento do problema”, avalia.
A dificuldade em falar e lidar com a questão do suicídio está muito ligada ao fato de que o atentado contra a própria vida permanece um tabu social até os dias atuais. Não à toa, a complexidade do tema costuma ser tratada com cuidado especial pela imprensa – alguns veículos evitam dar a notícia ou fazer menção à causa da morte para impedir o desencadeamento do chamado efeito contágio – e ainda hoje tem sido motivo de condenação por parte de religiões.
O enfoque preconceituoso tem contribuído para esconder números alarmantes e casos passíveis de prevenção ou tratamento. Por isso, a psicóloga Daiane Silva, também integrante da equipe do CAM, defende que discutir abertamente o assunto em sala de aula, ao contrário de estimular novos casos, ajudará o aluno a entender suas próprias angústias e sentir que não está sozinho.
O suicídio, segundo ela, é a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil. De 2007 a 2016, foram registradas mais de 106 mil mortes por suicídio no país. No entanto, para o Ministério da Saúde, esse número pode ser 20% maior em virtude da imprecisão de casos mal esclarecidos. “Estudos indicam que municípios com Caps, em média, conseguem reduzir 14% do número de incidência. E Lucas tem Caps”, frisa.
Apesar do traço autodestrutivo, a automutilação, conforme ela, não deve ser confundida com tentativa de autoextermínio e nem de chamar a atenção. A maioria esconde os cortes – geralmente nos braços, nas pernas ou na região do tórax. “É um sinal de que o adolescente está com problemas emocionais e necessita da ajuda e suporte de um profissional da saúde. O professor, muitas vezes, é o único adulto com quem os jovens se sentem seguros para conversar. Uma abordagem com empatia e sem pré-julgamentos poderá gerar a confiança necessária para que seja levado para um local onde possa falar abertamente sobre seus sentimentos e perceber que poderá contar com apoio”.
Em qualquer situação, a família será sempre informada e o aluno direcionado para o PSF de sua área residencial. No PSF, será atendido por uma equipe multiprofissional que avaliará se convém ficar sob os cuidados do grupo ou se o caso deverá ser remetido para o CAM ou para o Caps. Já as ocorrências de alcoolismo e drogas são enviadas para o Caps, que também atende crianças e adolescentes.
A atividade de formação contou ainda com a participação das psicólogas Simone Azevedo Rodrigues, Aliane Paula Capistrano Pinto e Patrícia Trentin.