O avanço das facções sobre o interior de Mato Grosso já produz efeitos diretos no cotidiano de várias cidades, com aumento da violência e domínio territorial em regiões estratégicas. O novo relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 92 municípios do estado registram presença de grupos organizados, revelando um processo de expansão silencioso, porém contínuo.
Segundo o estudo, organizações como o Comando Vermelho e o PCC ocupam áreas urbanas e rurais, incluindo zonas de garimpo ilegal e regiões próximas à fronteira com a Bolívia. O levantamento mostra que o CV atua sozinho em grande parte dos municípios onde está presente, consolidando controle e reduzindo a concorrência local.
Esse avanço ocorre de forma capilar, alcançando cidades médias e pequenas onde a presença do Estado é mais limitada. Em muitos desses locais, um único grupo chega a controlar toda a cadeia criminosa; em outros, a coexistência de facções rivais transforma a rotina em permanente estado de tensão. Municípios fronteiriços, como Cáceres, são apontados como áreas de atuação múltipla, reflexo de sua posição estratégica para o tráfico.
A professora de Criminologia da UFMT, Vladia Soares, explica que fatores geográficos e econômicos estimulam essa interiorização. Ela destaca que o estado funciona como corredor do tráfico, possui áreas pouco fiscalizadas e mantém ligação direta com a Bolívia, um dos principais produtores de cocaína do mundo. Para a pesquisadora, é essa combinação que torna o território atrativo às organizações criminosas.
No norte do estado, reportagens já mostraram o uso de grupos de WhatsApp para orientar trabalhadores de garimpos clandestinos, como em Alta Floresta. As mensagens determinavam alinhamento total das atividades ilegais às ordens da facção, reforçando a influência do crime sobre atividades já vulneráveis ao controle estatal. A prática se repete em outros núcleos de exploração mineral.
Controle no garimpo e escalada da violência
Na Terra Indígena Sararé, região marcada historicamente pelo garimpo, o Comando Vermelho deixou de agir como apoio aos exploradores e passou a dominar toda a extração ilegal. O grupo controla maquinário, insumos, combustível e chega a cobrar mensalidades em ouro — estrutura comparada por especialistas a uma operação empresarial, embora completamente criminosa. Relatos apontam a existência de acampamentos, balsas e escavadeiras de grande porte.
Uma operação do Ibama, em setembro, no Garimpo do Cururu, encontrou indícios da presença da facção. As equipes foram recebidas por disparos de fuzil, evidenciando o nível de organização e armamento dos grupos que atuam na área. Segundo David Marques, do Fórum de Segurança Pública, parte dos garimpeiros passou a formar bandos armados para resistir às imposições do CV, aumentando ainda mais o ciclo de conflitos.
A área da TI Sararé, que abrange Conquista D’Oeste, Nova Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade, registrou 46 mortes violentas em 2024 — número superior aos anos anteriores. O estudo aponta que a escalada está diretamente ligada ao fortalecimento das facções, ao garimpo ilegal e à condição fronteiriça da região.
Municípios em alerta
Vila Bela da Santíssima Trindade, fronteiriça com a Bolívia, concentra hoje a maior taxa de mortes violentas entre municípios de até vinte mil habitantes. O relatório relaciona o aumento à presença de facções ligadas ao narcotráfico e ao uso do município como rota prioritária para entrada de cocaína vinda da Colômbia e transportada via território boliviano. Na edição anterior do estudo, o município nem figurava entre os mais violentos, o que reforça a gravidade do cenário.
De acordo com a publicação, a combinação entre garimpo ilegal, tráfico e domínio territorial deve seguir como foco de atenção de órgãos de fiscalização e segurança. O material indica que novas ações integradas serão essenciais para conter a atuação desses grupos. As informações citadas têm como base o relatório “Cartografias da Violência na Amazônia”.




















