A Justiça acatou o recurso da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT) e, na última terça-feira (25), absolveu J. A. L., 33 anos, inicialmente condenado a 5 anos e 4 meses de prisão pelo suposto crime de roubo com uso de arma de fogo, em outubro de 2017, em São Félix do Araguaia (1.031 km de Cuiabá).
O recurso foi interposto pelo defensor público Robson Cleiton de Souza Guimarães no dia 22 de agosto, alegando que não havia provas suficientes para a condenação, seguindo o princípio da presunção de inocência, e que o reconhecimento fotográfico do acusado foi irregular, violando o artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP).
“O reconhecimento fotográfico realizado sem observância das formalidades legais e não confirmado em juízo é insuficiente, por si só, para fundamentar condenação penal”, diz trecho da decisão.
A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), de forma unânime, avaliou que as descrições genéricas e contraditórias da vítima, sem elementos objetivos de corroboração, inviabilizam a condenação.
“A observância rigorosa das formalidades do art. 226 do CPP – que não pode ser ignorada pela defesa nem negligenciada pelo Sistema de Justiça – resultou na reversão de uma condenação e garantiu a absolvição de um inocente”, ressaltou o defensor.
Desse modo, segundo a decisão do colegiado, a ausência de prova material e de confissão do réu “impõem a aplicação do princípio do in dubio pro reo e consequente absolvição”, revertendo a decisão de primeira instância, da 2ª Vara de São Félix do Araguaia.
O desembargador Wesley Sanchez Lacerda, relator do caso no TJMT, mencionou que nenhuma testemunha presenciou os fatos de forma suficiente para confirmar a identificação, o dinheiro não foi recuperado, a arma supostamente utilizada não foi localizada, não há imagens de circuito interno de segurança, e nem mesmo a suposta rota de fuga.
“Em síntese: não há prova autônoma capaz de sustentar a imputação. O conjunto, longe de consolidar convicção, evidencia a precariedade do procedimento investigativo”, diz trecho do voto.
Lacerda ainda criticou a suposta “confissão” do acusado, reiterando que ele jamais confessou os fatos. Pelo contrário, negou tudo e sequer foi interrogado em juízo.
“A confissão, instituto de alta relevância jurídico-probatória, não pode ser presumida ou fabricada a partir de silêncio processual. Trata-se de erro material grave”, afirma outro trecho.
Segundo o desembargador, o devido processo legal não admite condenações com base em indícios frágeis, percepções falhas ou suposições construídas sobre lacunas.
Entenda o caso
Conforme os autos, o denunciado teria roubado R$ 1.550,00 em dinheiro de um posto de combustíveis, por volta das 22h, abordando o frentista com uma arma de fogo quando ele estava fechando o estabelecimento.
O suposto crime aconteceu em outubro de 2017, mas a condenação em primeira instância, no regime inicial semiaberto, só ocorreu em maio deste ano.
“(…) o reconhecimento foi conduzido em flagrante violação ao artigo 226 do Código de Processo Penal, carecendo de fidedignidade e de valor jurídico. A própria vítima admitiu, em juízo, que não visualizou claramente o rosto do autor, afirmando que sua identificação se deu mais pelo boné e pela estatura física do que pelas feições faciais. Ou seja, a identificação repousou em características genéricas e frágeis, incapazes de conferir segurança à imputação penal”, diz trecho do recurso.
De acordo com o defensor, ficou evidenciado que o reconhecimento foi induzido por agentes estatais, que apresentaram uma única fotografia do acusado, acompanhada de comentários sugestivos, sem observar cautelas legais previstas no CPP, como a descrição prévia do suspeito, a colocação ao lado de pessoas semelhantes “e a lavratura de auto formal. Essa prática irregular contaminou de forma irremediável a prova, tornando-a inidônea e imprestável para fundamentar condenação”.
Conforme o recurso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm reiteradamente decidido que o reconhecimento fotográfico feito em desacordo com a lei não pode, isoladamente, sustentar condenação, devendo ser corroborado por outros elementos de prova robustos – o que não ocorreu no caso.

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“Fico muito feliz por ter sido o instrumento que garantiu a estrita observância do artigo 226 do CPP neste caso e, com isso, a reversão de uma condenação injusta de 5 anos e 4 meses para a absolvição”, pontuou o defensor.























