Em 1727, o local que conhecemos hoje como a cidade de Cuiabá, era a Villa Real do Senhor Bom Jesus do Cuyabá, que possuía atividades comerciais, culturais, festividades, e grande regulação das atividades públicas, registrados pelos valiosos documentos históricos que contam as pouco conhecidas histórias do período Colonial. A superintendência do Arquivo Público de Mato Grosso preserva documentos de mais de três séculos que mostram detalhes de como era a vida da população na região.
Um dos conjuntos de manuscritos importantes da época retrata a compra e a venda de produtos comestíveis como rapadura, farinha, carne seca, e aguardente, revelando os hábitos dos que habitavam a localidade, conta a historiadora e superintendente do Arquivo Público de Mato Grosso, Vanda da Silva. Doutora em História pela Universidade Federal da Grande Dourados, Vanda é pesquisadora sobre história de Mato Grosso Colonial.
Páginas amareladas pela ação do tempo mostram o controle contábil de negociações de engenhos, que comercializavam para estabelecimentos comerciais, e para o Armazém Real, administrado pelo governo. O armazém abastecia os fortes construídos para defesa na região da fronteira. Em troca, os lavradores locais que forneciam mantimentos ao Armazém recebiam bilhetes com uma espécie de marca de autenticidade, que equivalia à promessa de pagamento futuro.
“É interessante observar que o governo local era um grande consumidor da produção local, além de comprar os alimentos, ele fazia um controle de preços. O pagamento por esses produtos era com base em bilhetes para pagamento futuro, por conta disso, os lavradores acabavam circulando os bilhetes que recebiam em troca de outros produtos”, explica a historiadora.
Por conta da necessidade de abastecer os Fortes e a população, há anúncios do governo convocando os moradores a venderem ao Armazém a produção de porcos e toucinho. Na época, a criação de suínos era considerada uma prática urbana comum.
O crescimento econômico de Cuiabá foi marcado pela força da mineração, mas também pela agricultura e criação de gado para abastecimento do mercado. No entanto, em vários momentos a produção e a venda de aguardente para a população foi proibida, sob o pretexto de que atrapalharia a produtividade nas atividades de mineração, conta a pesquisadora.
Apesar da restrição, houve o surgimento de inúmeras tabernas na região que hoje abriga o Centro Histórico da Capital, como consequência da valorização da bebida no período. A aguardente se estabeleceu ainda com um forte papel de moeda de troca. Documentos mostram que até escravos eram negociados em troca da bebida no Brasil Colonial.
Festividades
A vida cultural era agitada na cidade, que recebia diversas festas populares. Os registros apontam que eram comuns festividades em dias de Santo, nascimentos, recepção e morte de membros da realeza. As Exéquias – grandes cortejos que realizados diante do falecimento de pessoas importantes – duravam dias, ocupando as ruas com cavalhadas, missas, teatros de arena, entre outras formas de cortejo.
“ Isso mostra que não estávamos à margem. Quando você observa as festas, pode concluir que o que estava acontecendo aqui, também acontecia em outras capitanias. Estávamos integrados ao que acontecia no restante do reino ”, avalia a historiadora.
Observando os diversos registros, é possível perceber que uma comemoração como esta acontecia geralmente mais de quatro meses após o fato, o que mostra ainda o tempo que a informação levava para chegar às cidades mais distantes.
População de Cuiabá
Outro documento histórico capaz de mostrar um retrato da sociedade cuiabana na época é o primeiro censo realizado na cidade, cujo manuscrito original é preservado pelo Arquivo Público. Datado de 1890, mostra em detalhes quem residia na localidade, estado civil, religião, nacionalidade, instrução, endereço, raça, sexo e idade. No total, o registro aponta a existência de 6.836 residentes em Cuiabá naquele ano.
O registro aponta que dois terços da população era considerada analfabeta na época. No segundo distrito da Capital, São Gonçalo, havia 2.861 moradores, conforme o documento. Neste distrito havia 954 pessoas que declararam saber ler, e 1938 analfabetos. Dos que se declararam letrados, apenas 233 frequentaram a escola.
Regras e leis
Havia uma forte ação reguladora das atividades dos moradores da Vila durante o período Colonial. Uma coletânea de relatos de 1719 até 1830 mostra como o poder público constituído era responsável pela ordem local. Nos “Annaes do Sennado da Câmara do Cuyabá” é possível saber a maneira com que os antigos vereadores escreviam os acontecimentos mais notáveis do seu tempo. A câmara era o poder local constituído por homens, brancos, livres e que possuíam grande patrimônio.
Praticamente tudo era regulado pela instituição. Havia a criação de parâmetros de pesos e medidas para comércio de alimentos, a figura do “arruador” era descrita como o responsável pela abertura de novas ruas na cidade, a concessão de terras sesmarias, e até normas para a vestimenta local.
A transcrição dos documentos foi publicada pela superintendência do Arquivo Público em parceira com a Editora Entrelinhas em 2007, e pode ser acessada na íntegra por aqui.
Arquivo Público
Os documentos que retratam o período Colonial em Mato Grosso estão sob a guarda da superintendência do Arquivo Público de Mato Grosso, que faz parte da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag). O Arquivo ocupa papel de destaque em enquanto gestora dos documentos permanentes, e de valor histórico, produzidos pelo Poder Executivo Estadual.
Para consultas ao acervo pelo público geral o horário de atendimento ao público é das 8h às 12h e das 14h às 18h, de segunda à sexta-feira. O prédio fica localizado na Av. Getúlio Vargas, 451, Centro de Cuiabá.