Moradores de dois assentamentos de Mato Grosso denunciaram uma série de violências que estariam sofrendo de pessoas com interesses nas localidades. Em um dos atentados, os criminosos teriam jogado gasolina em crianças e ameaçado atear fogo. Sob mira de armas, moradores também teriam sido obrigados a comer terra já que era “isso que eles queriam”.
As informações foram dadas em coletiva de imprensa para denunciar o agravamento da violência no campo e o aumento de crimes ambientais no estado. Entidades de Direitos Humanos alegam que as diretrizes do governo Bolsonaro sobre regularização fundiária e a atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) colocam em risco a vida de milhares de famílias que lutam pelo direito à terra.
Uma moradora de Jaciara (a 143 km de Cuiabá) conta que o assentamento teria sido criado há 16 anos. Ele teria aproximadamente 5 mil hectares e seria ocupado por 198 famílias. “A dificuldade é muito grande porque vivemos em barracos de lona, sem nenhum conforto. As crianças pegam ônibus para escola, acordam 4h da manhã, a dificuldade é muito grande. Podemos plantar, produzir para sustentar nossas famílias, filhos e ajudar no município”, relata.
“Não temos segurança. Recentemente tivemos a perda de um companheiro de luta. Não sabemos ainda quem cometeu o crime, mas vivemos a cada dia que passa com o sofrimento e a dificuldade. Estamos vivendo ultimamente com medo, sem saber o que realmente aconteceu. Se descobrisse quem assassinou, viveríamos tranquilos”, acrescenta.
Já uma outra mulher da região de Novo Mundo (a 813 km de Cuiabá) mora em um assentamento há quatro anos. Com lágrimas nos olhos, ela relatou que já presenciou violência com crianças. “Chegavam de madrugada e falavam ‘vocês querem terra?’ e faziam as pessoas comer terra. A violência é constante”, pontua.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) suspendeu a reforma agrária por tempo indeterminado no Brasil. O memorando foi emitido em 2019, logo nos primeiros meses do Governo Bolsonaro.
Coordenador do Fórum de Direitos Humanos e da Terra, Inácio Werner, fez críticas à política de reforma agrária. “A política da reforma agrária era horrorosa. Era um processo moroso, mas acontecia. Principalmente visibilizando que haviam pessoas necessitadas as quais precisavam ser assentadas. Neste sentindo, houve um cuidado para atendê-las. O que mudou é que agora parecer ter um cartaz dizendo ‘olha, daqui pra frente vocês nem entrem mais aqui, porque não adianta, não vamos mais atender vocês’. Parece que tem um cartaz na frente do Incra dizendo isso”, denuncia.
“Não é só a policia que comete violência. A gente houve falar de milícias que estão no Rio de Janeiro, mas existe uma milícia muito forte no campo também, que se organiza, contrata empresas para fazer despejo. Como o Governo do Estado extinguiu o Comitê de Conflitos Agrários, que era onde por tramitava a questão para fazer a retirada de famílias e havia uma norma a ser respeitada. Se você extingue o Comitê de Conflitos Agrários, significa que você agora o juiz pode dar a liminar de despejo, e o próprio fazendeiro contrata sua empresa. Dessa forma que funciona agora. Esse é o grande problema, acontece com violência”, acrescenta.
Em janeiro de 2019, Elizeu Queres de Jesus, 38, foi morto e nove pessoas foram feridas por funcionários da empresa Unifort. Os suspeitos fazem a segurança da Fazenda Bauru, em Colniza, de propriedade do ex-deputado estadual José Geraldo Riva.
Os suspeitos foram detidos pela Polícia Militar e interrogados. Eles afirmaram que reagiram a invasão da fazenda, realizada por posseiros supostamente armados. No entanto, alguns dos feridos declaram que nenhum dos posseiros portava arma de fogo. Além disso, de acordo com o delegado à frente da investigação, Alexandre da Silva Nazareth “os elementos de informação produzidos pela perícia, até o momento, nos levam a acreditar que não houve confronto armado, pois só foram encontradas cápsulas de armas de mesmo calibre dos seguranças da propriedade”.
Na coletiva, o Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT) e o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) denunciaram a atuação do Incra, que teria sido agravada causando a destruição do meio ambiente, além de danos ao erário público, privilegiando grileiros de terras pertencentes à União.