Em um universo de quase 3,2 mil servidores que compõem atualmente o Sistema Penitenciário de Mato Grosso, 40% do efetivo é formado por mulheres. Elas também estão, embora em menor número, nos cargos de liderança. Entre as 55 unidades prisionais de Mato Grosso, 11 delas têm mulheres à frente – são 7 unidades femininas e quatro masculinas.
A maioria dessas servidoras é agente penitenciária e trabalha em unidades prisionais masculinas e femininas, exercendo cargos de gestão, líderes de equipes, de disciplina e na tranca diária das cadeias, centros e detenção e penitenciárias, cuidando de papelada burocrática, realizando escoltas, ou, como algumas delas afirmam, pegando no pesado nesta profissão, considerada uma das mais estressantes do mundo.
Entre as 852 agentes penitenciárias do Estado, esse é o cotidiano desafiador de Cleonice Penteado dos Santos, 37 anos, é uma das três mulheres que lideram unidades prisionais masculinas. Há um ano e cinco meses, ela está na liderança da equipe de servidores da penitenciária Major Zuzi Alves da Silva, em Água Boa (736 km a leste de Cuiabá), unidade que abriga aproximadamente 540 reeducandos e a única penitenciária na região do Araguaia.
Mãe de dois meninos e com quase seis anos como servidora pública concursada no cargo de agente penitenciária, Cléo diz que assumir uma unidade penitenciária foi um dos maiores desafios em sua vida. “Não por medo de ter que lidar diretamente com “preso homem”. Minha preocupação era com o preconceito e machismo.”
Porém, nesse tempo em que está à frente da unidade, relata que sempre foi respeitada e procura fazer meu trabalho da melhor forma possível. Ainda há preconceitos e machismo nessa área, mas de forma velada. “Nunca abaixei a cabeça para ninguém, sou uma pessoa determinada e, às vezes, até teimosa! Gosto do desafio, de quando duvidam da minha capacidade, aí que eu provo ao contrário”, afirma categórica a diretora.
Agente Cleonice Penteado diz que não ‘abaixa a cabeça pra ninguém’ e não liga para os desafios impostos pela função
“Acredito no respeito, no direito e dever de cada um. Se cada pessoa privada de sua liberdade e cada servidor saber e cumprir seus direitos e deveres e cada um respeitar o seu espaço, é possível desenvolver um bom trabalho baseado na ética e moral. Nunca pensei em desistir, existem momentos de fraqueza, de reflexão, mas pensar em desistir, jamais!”, reitera Cleonice.
Muito amor envolvido
Liderando a maior unidade feminina de Mato Grosso, a agente penitenciária Maria Giselma Ferreira não sossega um minuto. Bem cedo chega à penitenciária Ana Maria do Couto May e pega no batente junto com as servidoras. Seu desafio é conciliar as atividades de gestão administrativa e de ressocialização, buscando junto com a equipe trazer cursos profissionalizantes e estudo para recuperandas e estimular o trabalho diário das servidoras, transformando um ambiente árido em um lugar mais ameno para trabalhar.
Sua carreira como servidora penitenciária há 15 anos estimulou um dos filhos, que também entrou para a profissão, mesmo diante de tantos problemas que são inerentes à área, o que a fez perguntar se valia a pena. “Logo que tomei posse passei por uma rebelião na unidade em que trabalhava e vi colegas saindo machucados. Fiquei assustada e me perguntando se valia a pena continuar.”
Agente Maria Giselma é tão apaixonada pelo que faz que acabou influenciando os filhos e um deles também trabalha na área
No início da profissão, o preconceito também fez parte do cotidiano de Giselma. “Muitas vezes éramos impedidas de fazer determinado trabalho porque não tínhamos a “força e a coragem” masculinas. Mas hoje a realidade é outra, temos mulheres de fibra e que trabalham com afinco, se preparam e capacitam-se para fazer um Sistema Penitenciário melhor a cada dia”.
Sim, elas podem!
Agente há mais tempo na função de diretora de unidades prisionais, Adriana Quinteiro tem 19 anos de atividades no Sistema Penitenciário, sendo 15 atuando como gestora das cadeias de Diamantino e Nortelândia, ambas na região médio-norte do estado. Em um ambiente inicialmente com um número muito pequeno de mulheres, ela conta que teve certa dificuldade de se adaptar ao ambiente, por não reconhecerem a capacidade da mulher para o cargo.
“Não acreditavam que eu conseguiria entender, de maneira global, o ponto de vista da administração de uma unidade prisional. Apesar do preconceito em relação à suposta fragilidade feminina, não desisti, esforcei-me para mostrar que tinha plenas condições de desempenhar essa função. E como diretora de uma unidade feminina, acredito que a mulher desempenha um papel fundamental ao trazer certa suavidade para o Sistema Penitenciário. Com disciplina e dedicação, busco meios para ressocialização da pessoa presa e não apenas mantê-las sob custódia”.
Agente Adriana Aparecida Quinteiro está há mais de 19 anos na profissão e 15 à frente das cadeias de Diamantino e Nortelândia
Como mulher e mãe, diz categórica que a mulher do século XXI deseja igualdade, e não superioridade em relação ao homem. “Buscar a igualdade é uma luta das mulheres por seus direitos, demonstrando competência, profissionalismo, criatividade e liderança, rompendo barreiras”, finaliza Adriana.
Josmara, Kely, Eli, Silvana, Guiomar, Walkleíne, Lindalva e Sandra também estão à frente de unidades prisionais. Wal, Sandra e Lindalva Pohu lideram cadeias masculinas e as outras são diretoras de unidades femininas, todas no interior de Mato Grosso. Linda como é chamada está na direção da cadeia de Comodoro e atualmente cumpre licença maternidade.
Há 13 anos na profissão de agente penitenciária, Walkleíne Dutra, mãe de duas crianças, afirma que mesmo diante de um ambiente masculino, não sofreu qualquer atitude preconceituosa que a incomodasse. E para as mulheres e colegas de profissão deixa a otimista mensagem: “Independente do que acontece com você, o importante é como você reage”, dia a diretora da cadeia de Alto Garças.
Agente Walkleíne Dutra não se intimida de estar em um ambiente masculino, ela é diretora da cadeia pública de Alto Garças
Mãe de uma moça, Josmara Tiossy é, há quase dois anos, diretora da unidade feminina de Tangará da Serra e sente orgulho em ser agente. Integrou a primeira turma do curso no método DPOE, em Brasília, que forma agentes em operações especiais, uma espécie de tropa de elite do Sistema Penitenciário.
“Quando entrei no sistema, além de ser um universo masculino, era completamente desconhecido pra mim. Fui me apaixonando e tomei a decisão de fazer o DPOE, mesmo desacreditada por todos. Fui lá e me tornei a primeira mulher a ter a conclusão do curso no Estado. Assim, vi que poderia ir além, me dediquei e me dedico até hoje. O trabalho nessa área é um desafio contínuo, porém, supero com dedicação e qualificação na minha profissão”, destaca Josmara.
Agente Josmara Tiossy superou a dita ‘fragilidade’, especializou-se, e hoje compõe a Tropa de Elite do Sistema Penitenciário de MT
Com uma filha pequena para criar, Franciskely Moreira já passou por situações de perigo e preconceito. Quando ficou refém numa rebelião dentro de uma unidade prisional, em 2008, pensou em deixar a profissão. Mas a persistência, a fé e a força falaram mais alto para a diretora da cadeia feminina de Cáceres, pois para ela toda mulher é capaz de chegar onde quer. “Somos guerreiras que travam batalhas pensando com o coração. Mulher é a própria armadura e sempre sabe o melhor jeito de ir à luta e com determinação e delicadeza transformam o mundo todos os dias”.
Agente Franciskely Moreira já pensou em desistir após ser feita de refém em uma rebelião
Agente Guiomar Costa acredita muito no que faz e luta para oferecer oportunidades ‘nova vida’ às reeducandas
Agitada, sempre em busca de parcerias, de apoio para capacitar as reeducandas. Guiomar Silva da Costa, agente penitenciária desde 2013, começa seus dias de trabalho muito cedo na unidade feminina de Nova Xavantina. Corre de um lado para outro procurando cursos para qualificar as mulheres custodiadas, promovendo atividades comemorativas para unidade. Na função de diretora há dois anos, Guiomar afirma a postura profissional e pulso firme não deixam espaço para atitudes machistas.
Como as mais recentes diretoras de unidades prisionais, Eli Terezinha de Ávila, em Colíder, e Sandra Medina, em São José do Rio Claro, também lidam agora com os desafios de serem gestoras, fazer a parte burocrática, além de liderar a operacional também. “Nunca sofri qualquer tipo de preconceito em meu ambiente de trabalho, ao contrário, sempre tive apoio dos colegas e de minha família. Mas em alguns momentos pensei em abandonar minha profissão, porém, Deus sempre esteve presente nos momentos difíceis e dias ruins”, pontua Sandra, que se sente orgulhosa da profissão que escolheu.
Fácil não é, mas a agente Sandra Medina enfrenta com valentia os dias difíceis e não pensa em desistir da profissão
Aos 48 anos e 19 anos no Sistema Penitenciário, Silvana Lopes dirige a maior unidade feminina no interior do Estado, em Rondonópolis. Ao longo da vida, afirma que precisou ser valente e lutar por ser mulher, solteira e mãe. Um dos momentos marcantes em sua vida aconteceu nos primeiros dias de trabalho como agente, quando ficou refém por quatro dias durante uma rebelião na penitenciária do município. “Eu só pensava que ia morrer e nas minhas filhas”.
Silvana Lopes tinha acabado de começar o trabalho como agente quando ficou como refém durante rebelião, mas não se permitiu ‘desistir’
Após o acontecimento, ela teria um motivo para desistir, mas o episódio a fez ter mais forças. “Fiquei mais forte ainda e determinada a continuar na profissão”, lembra a dedicada avó de duas crianças, que tem orgulho do Sistema Penitenciário. “Todos os nossos sonhos podem ser verdadeiros, se tivermos a coragem de segui-los”, finaliza.