A dissertação de mestrado do imunologista e mestre em Ciências da Saúde, Celso Saldanha, traz um alerta para as autoridades e população cuiabana: a vida na capital mato-grossense vai se tornar cada vez mais insuportável, nos próximos 20 ou 30 anos, com o aumento gradativo da temperatura, das queimadas e da poluição aliados às desvantagens geográficas. Tudo isso junto, acaba afetando a saúde das pessoas através de doenças respiratórias, como sinusite, asma e pneumonia.
Primeiro trabalho científico que faz relação da geografia com a saúde, o estudo tem o objetivo de sensibilizar o poder público para que se tomem medidas que revertam o quadro de crescimento desordenado da capital, que vê cada vez mais prédios sendo levantados e carros tomando as vias, sem que se reflita nos impactos disso na qualidade de vida a longo prazo. “Cuiabá não está preparada para o aquecimento global”, enfatiza o médico.
Saldanha critica a preocupação meramente financeira de políticos e empresas sobre os projetos que interferem no ambiente. “Tem tanta pesquisa sobre soja e outros insumos vendidos para a China. Por que ninguém faz uma pesquisa pra gente saber qual a melhor árvore pra se plantar no quintal de casa, uma coisa que beneficie a gente daqui?”, questiona.
A pesquisa aponta que Cuiabá, mesmo não tendo um parque industrial, é tão poluída quanto grandes cidades. Um dos motivos seria a fumaça soltada pelos caminhões que passam por aqui diariamente, escoando principalmente a produção do agronegócio, além da quantidade de carros nas ruas e das inúmeras obras, que aumentaram muito nos últimos anos. “Além da insolação terrível que nós temos aqui, agora temos o problema dos poluentes, as grandes construções que estão entrando em nossa cidade, destruindo a vegetação nativa. E Cuiabá, cada vez mais, está se tornando imprópria para nossa habitação”, afirma.
Segundo o imunologista, que atende principalmente o público infantil, 12% das crianças atendidas pelo Pronto Socorro de Cuiabá são asmáticas. No Brasil, a asma é a 3ª doença que mais gera internações, sendo que destes, 0,7% vem a óbito. Mundialmente, a média de asmáticos é de 10% da população, sem contar outras doenças das vias aéreas. As crianças e os idosos são os mais atingidos. No caso das crianças, o sistema imunológico ainda está em formação; já no caso dos idosos, o organismo está deixando de funcionar de forma plena, o que os torna vulneráveis.
A médica e doutoranda em Pneumologia pela Universidade de São Paulo (USP), Keyla Medeiros, que atende o público idoso, afirma que a situação climática em Cuiabá realmente deixa os médicos amedrontados. Só em agosto deste ano, ela perdeu cinco pacientes idosos vítimas de doenças respiratórias. Ela diz que abaixo dos 55% de umidade do ar, o número de casos de doentes aumenta consideravelmente. “Muito frequentemente, há casos de mortes por doenças respiratórias, especialmente em idosos. Nós da pneumologia temos muito medo no mês de agosto, setembro. A quantidade de pessoas que são acometidas por pneumonia aumenta bastante. É bem diferente quando chega a época da poluição, na prática a gente vê isso nitidamente”, relata.
Medeiros alerta também sobre o tabagismo e as implicações para quem é fumante ativo e passivo. A médica conta que há casos de crianças que morrem de mau súbito devido ao contato com fumaça de cigarro. Ela explica que a doença respiratória mais comum é a rinosinusite, que começa no nariz. Caso a pessoa não procure tratamento, as narinas são afetadas e a respiração passa a ser feita pela boca, o que leva às doenças da garganta, com sintomas como infecção e rouquidão. Progressivamente, a enfermidade pode atacar os brônquios, causando doenças como bronquite, asma, enfisema pulmonar, bronquiolite, pneumonia, entre outros. Todas ligadas ao meio ambiente, ao ar que se respira.
Condições climáticas desfavoráveis
O estudo do médico Celso Saldanha, aponta que Cuiabá é a cidade em maior desvantagem geográfica do país, devido ao clima seco e baixa umidade relativa do ar concentrados numa grande depressão, onde há pouca circulação de vento. Os poucos que chegam são de baixa velocidade e insuficientes para renovar o ar que respiramos. Com isso, ocorre o aprisionamento da biomassa de gases poluentes liberados principalmente pelas queimadas e pelos carros e caminhões que por aqui passam.
No período de seca, que vai de maio a setembro, a situação se agrava, com a formação das chamadas “ilhas secas” de calor. O médico explica que o ar precisa chegar aos pulmões com 75% a 85% de umidade. Mas,com umidades que caem até a 10%, as narinas trabalham mais, jogando ar bruto nos pulmões, que são mais facilmente atingidos por vírus e bactérias.
Como se prevenir de doenças respiratórias
Os médicos apontam alguns cuidados necessários para se prevenir de doenças respiratórias, tais como beber muita água e aumentar em 3 litros a quantidade ingerida no período de seca; umidificar o ambiente com umidificadores elétricos, bacias com água ou toalhas molhadas; fazer exercícios físicos em locais e horários adequados; usar roupas leves; organizar a casa de modo a favorecer a ventilação.
Com relação à prevenção por parte do poder público, os médicos apontam que é necessário fortalecer a fiscalização sobre as queimadas e evitar a superlotação de crianças nas creches e escolas, pois geralmente é onde as doenças respiratórias se propagam. Uma vez acometido pela asma, bronquite ou outras doenças respiratórias crônicas, o paciente terá que se tratar durante a vida inteira.
Questão de planejamento
Para o arquiteto e urbanista e mestre em Geografia, Guilherme Almeida, o maior problema de Cuiabá é que não existe um projeto de urbanização que reflita sobre o clima da região, há muitas cópias de modelos de cidades maiores, que nem sempre se adequam à realidade geográfica local.
Segundo ele, “a solução existe há milhares de anos”, citando que desde os egípcios, na Antiguidade, já utilizavam a arquitetura para melhorar a qualidade de vida dentro dos palácios, com imensos jardins internos. Nos tempos atuais, há exemplos aqui mesmo no Brasil. Em cidades como João Pessoa, ainda se utiliza pavimentação de paralelepípedo em muitas avenidas, o que favorece a permeabilidade do solo.
O arquiteto critica a forma desorganizada como Cuiabá se urbanizou, canalizando os córregos da cidade e erradicando suas matas ciliares, além de outras áreas verdes. Segundo Almeida, se Cuiabá tivesse mais árvores, o clima seria diferente. “Mas como vamos plantar mais árvores se nem calçadas decentes existem em Cuiabá?”, questiona.
Outra solução trazida pela Arquitetura é a edificação de imóveis que contemplem a interação da obra com o meio ambiente. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) fornece modelos diferentes de construções para cada região climática do país. Em Cuiabá, o ideal seria que as casas tivessem paredes mais altas para facilitar a circulação do ar e que houvesse jardins internos ou externos, por exemplo.
Mas tudo passa por uma questão cultural, o que é consenso entre todos os entrevistados. Desde o modo de vida das pessoas que não se preocupam em construir uma casa adequada ao clima quente, ou que colocam fogo em terrenos, até as autoridades públicas que não se atentam aos perigos que a falta de planejamento da cidade pode causar sobre a qualidade de vida da população.