A empresa BRF S.A., dona das marcas Sadia e Perdigão, foi condenada pela Justiça do Trabalho pela dispensa em massa ocorrida sem negociação prévia com o sindicato da categoria na unidade de Campo Verde, a 140 km de Cuiabá. A ação é movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Rondonópolis. Nos meses de julho e agosto de 2018, 91 empregados (75% dos trabalhadores da planta) foram demitidos repentinamente em decorrência de uma reestruturação econômica do grupo. Entre os funcionários dispensados, alguns estavam com mais 20 anos de empresa.
Na sentença, o juiz do Trabalho substituto Luiz Fernando Leite da Silva Filho, da Vara do Trabalho de Primavera do Leste, proibiu a empresa de realizar, em todo o território nacional, dispensas em massa sem prévia negociação coletiva com os sindicatos profissionais, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 30 mil por cada empregado que tenha o contrato extinto nessas circunstâncias. A multinacional também foi condenada a pagar aos trabalhadores atingidos o valor equivalente ao dobro do aviso prévio indenizado devido no momento da rescisão do contrato de trabalho.
A BRF deverá pagar, ainda, uma indenização por danos morais coletivos de R$ 300 mil. O montante será revertido a instituições públicas ou privadas, sem fins lucrativos, que tenham objetivos filantrópicos, culturais, educacionais, científicos, de assistência social ou de desenvolvimento e melhoria das condições de trabalho, a serem indicadas pelo MPT.
O objetivo da ação, segundo o MPT, não foi interferir na atividade empresarial, mas fazer valer os direitos fundamentais nas relações coletivas de trabalho, de modo a exigir amplo diálogo e a construção de uma solução intermediária para diminuir os impactos sociais e econômicos causados na vida dos trabalhadores e de suas famílias.
Na decisão, o magistrado salientou que ficou comprovada a irregularidade da dispensa coletiva, “tanto assim que, ao se manifestar no bojo do inquérito civil, a empresa Ré afirmou que não havia necessidade de negociação coletiva e que, no dia 13/06/2018, a entidade sindical foi apenas comunicada sobre o encerramento dos processos na unidade”.
O juiz observou que o fato de a empresa ter levantado a possibilidade de realocação dos empregados demitidos em unidades localizadas em outros municípios não afasta a abusividade na dispensa coletiva. O mesmo vale para o argumento utilizado pela BRF de que foram pagos benefícios adicionais aos prejudicados, com o intuito de amenizar os efeitos do desemprego em massa.
Segundo uma das testemunhas ouvidas, ao frigorífico pagou apenas o equivalente a dois tickets alimentação, no total de R$ 360. “(…) quantia irrisória incapaz de atenuar dignamente os efeitos do ato jurídico de resilição massiva”, disse o magistrado. “O que o ordenamento jurídico pátrio impõe é a necessidade de prévia negociação com a entidade sindical, negociação esta que não se realizou no caso em apreço”, complementou.
MPT e Justiça do Trabalho defenderam que a mera comunicação, seguida da dispensa de inúmeros empregados, viola a Constituição e normas internacionais de tratados ratificados pelo país. “(…) enquanto membro fundador da OIT, o Brasil tem o compromisso derivado de respeitar, promover e tornar realidade, de boa-fé, os princípios relativos aos direitos fundamentais inseridos na Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais da OIT, entre eles aquele correspondente ao reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva”, asseverou Silva Filho na sentença.
Contra a sentença foram apresentados embargos de declaração pela BRF, ainda pendentes de julgamento pelo juiz de primeiro grau.
Reforma
Em sua defesa, a multinacional afirmou que a Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/17) teria, no artigo 477-A da CLT, estabelecido a igualdade jurídica entre as dispensas individuais e coletivas, de modo que não haveria necessidade de prévia negociação coletiva para as dispensas em massa.
No entanto, conforme ressaltou o MPT na petição inicial, apesar da flexibilização trazida pela Reforma Trabalhista, a negociação coletiva continua obrigatória, não podendo o empregador simplesmente se recusar a dialogar. Acrescentou que as decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST), inclusive as proferidas depois da Reforma Trabalhista, continuam confirmando a necessidade de negociação coletiva prévia à dispensa em massa.
Na decisão foi declarada a inconstitucionalidade da norma prevista no art. 477-A da CLT e mantida a tese jurídica fixada pelo TST.
“Isso porque, em virtude das graves consequências econômicas e sociais da dispensa em massa, com repercussões maléficas para toda uma coletividade de trabalhadores, e para diversos outros agentes da comunidade local, faz-se necessário o estabelecimento de condições voltadas a atenuar a situação jurídica dos prejudicados. Considerando a hipossuficiência dos trabalhadores individualmente considerados, torna-se essencial a participação da entidade sindical dos obreiros para a fixação de condições justas que realmente mitiguem os prejuízos da dispensa massiva”, concluiu o magistrado.