Instantes após confirmar a primeira medalha brasileira das Olimpíadas, Kelvin Hoefler relembrou, em entrevista os primeiros passos no Guarujá:
— Meu pai me levando para as pistas nos finais de semana, policial…era bem difícil conciliar tudo isso, sabe? Então foi uma garra, sabe? Na minha cozinha, minha mãe me xingando, quebrando panela, quebrando prato. Eram muitas dificuldades até dentro de casa. Então chegar aqui e representar uma nação é uma pressão muito grande, mas é um alívio.
A mãe confirma. Caminhando pela sala da casa onde o skatista cresceu, Roberta Hoefler, hoje, lembra com carinho do que, há 20 anos, era um tormento.
— Ele tinha mania de correr em volta da mesa por causa dos cachorrinhos pequenos. Aí batia prato, copo…fazer o quê? — conta, aos risos.
Em entrevista ao Esporte Espetacular neste domingo (1º), Kelvin confirma o que mais incomodava a mãe em suas tentativas de improvisar pistas de skate street — dentro de casa.
— Eu passava na frente da televisão ali e ela ficava brava porque passava a novela. E aí, pô, novela às seis da tarde era a novela, né… Acho até que era Chocolate com Pimenta.
Mas a mãe nunca deixou de apoiar o filho. Nem o pai, Enéas Rodrigues, que, um dia, deu o próprio skate dele ao menino.
— Ele dormia com o skate, sabe. Não era normal. Eu percebi que não estava normal aquilo — conta o pai.
Com a nova rotina do filho, o então 1º Sargento da Polícia Militar passou a precisar contornar outro problema, que ia além das quatro paredes: a vizinhança.
— A minha vizinhança nunca aceitou porque eu fazia muito barulho. Eu era muito extrovertido, sabe. Eu era bem elétrico. Eu gostava de surfar, jogar bola, bolinha de gude, soltar pipa. E andar de skate fazia bastante barulho — relembra Kelvin.
Seu Enéas se sentia em débito até a medalha conquistada no Japão. No dia seguinte à premiação, bateu de porta em porta para se desculpar pelos antigos incômodos.
Mas, na época, eles nem chegaram a durar tanto tempo assim. Aos poucos, Kelvin deixou o quintal de casa e as calçadas da rua onde cresceu para aprender manobras mais desafiadoras na Praça Palmares, em Santos.
O local serviu de escola para as manobras. Ao fechar a porta de casa, o caminho era sempre o mesmo: ônibus, balsa, mar, outro ônibus e, finalmente, uma enorme pista de skate street. Havia, ainda, um professor de peso:
— Imagina chegar na pista e andar ao lado do Chorão — relembra Kelvin, sobre o vocalista da banda Charlie Brown Junior, um ícone da música e do skate nos anos 2000. — Ele gostava de me ver andar na mini rampa, até que um dia ele virou para mim e falou: ‘Kelvin, vamos lá para a minha pista?’. Eu falei: ‘lógico!”. Ele foi um cara muito importante para a minha evolução.
O skate se tornava, para Kelvin, mais que um esporte: um estilo de vida.