A elevação dos juros ao redor do mundo resultou na fuga de investidores estrangeiros do país. O movimento adverso foi revertido pelo bom desempenho da balança comercial, que assumiu o papel determinante para segurar a cotação do dólar.
Somente no primeiro semestre, dados do BC (Banco Central) mostram que o comércio exterior trouxe US$ 27,7 bilhões para o Brasil, enquanto o mercado financeiro perdeu US$ 8,5 bilhões no mesmo período.
Os números resultaram em um fluxo cambial de US$ 19,1 bilhões no acumulado dos seis primeiros meses deste ano. O desempenho é 24,7% superior ao do mesmo período do ano passado, quando o comércio exterior somou US$ 13,3 bilhões e o mercado financeiro capturou US$ 2 bilhões dos estrangeiros.
Para Alexandre Maluf, estrategista macro da XP Investimentos, os dados do BC evidenciam que o volume de exportações tem impedido a disparada do dólar. Ele, no entanto, acredita que o avanço de medidas com potencial de comprometer as contas públicas ainda impede que a moeda norte-americana opere abaixo do patamar de R$ 5.
“A apreciação do real só não é maior devido a todas discussões fiscais que acabam aumentando a percepção de risco do Brasil no exterior. Estamos vendo dados de balança e fluxo muito altos, mas ainda com o real muito além dos fundamentos econômicos. Pelos fundamentos, estaríamos com o dólar com certeza abaixo de R$ 5, mas a percepção de risco interno acaba atrapalhando o fluxo financeiro”, avalia Maluf.
Fernando Bueno, head área internacional e câmbio da Blue3, também observa o saldo positivo da balança comercial como um fator determinante para impedir uma eventual alta do dólar em meio à fuga de investidores estrangeiros no Brasil. “As exportações estão a todo vapor e ajudam a segurar um pouco do câmbio, que não disparou diante da saída de capital do mercado financeiro”, reforça ele.
A ajuda das exportações faz o dólar acumular desvalorização de 8,8% neste ano, até o pregão da última sexta-feira (26), ao passar de R$ 5,58 para R$ 5,09. O fenômeno acontece porque o maior volume da moeda norte-americana em circulação na economia nacional tende a reduzir a cotação da moeda norte-americana, desde que não exista uma disparada da procura pela divisa.
Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, avalia que há ainda uma contribuição da alta cotação das commodities (matérias-primas) para o resultado positivo da balança comercial brasileira. “Até tivermos correções baixistas depois do início da guerra no leste europeu, mas, comparando com 2019, os valores estão bem expressivos, o que explica o valor significativo das exportações, assegurando a nossa taxa de câmbio”, destaca ele.
Os riscos fiscais também ajudam a justificar a debandada dos investidores estrangeiros do Brasil, com uma perda acumulada de US$ 17,5 bilhões somente entre os meses de março e junho. No acumulado deste ano, apenas os meses de janeiro (US$ 5,6 bilhões) e fevereiro (US$ 3,3 bilhões) tiveram mais ingressos do que saídas de recursos do exterior no mercado financeiro.
Margato explica que a fuga dos investidores estrangeiros do mercado nacional após o primeiro bimestre é resultado também de uma melhora da economia mundial. “Com a melhora da economia global na margem, combinada a uma percepção de risco fiscal mais elevada no cenário doméstico, vemos um desempenho mais fraco dos nossos fluxos financeiros”, afirma o economista.
O cenário adverso ocorre mesmo com a sequência de 12 elevações consecutivas da taxa básica de juros da economia nacional, a Selic, que saltou de 2% para 13,75% ao ano no intervalo de um ano e meio. Ao mesmo tempo, os bancos centrais de todo o mundo também passaram a elevar suas taxas, Nos Estados Unidos, os juros já subiram quatro vezes e passaram a um intervalo entre 2,25% e 2,5%.
Bueno afirma que a saída de dinheiro dos países emergentes para os países mais desenvolvidos está diretamente relacionada com as elevações dos juros para conter a inflação. “O investidor observa agora essas moedas mais fortes e vai buscar esse aumento de juros nos países mais desenvolvidos”, avalia.
Na percepção de Margato, o desempenho negativo do mercado financeiro no ciclo cambial vai além dos juros mais atrativos para se investir no Brasil, que tem a terceira maior taxa do mundo. “As percepções de risco são bastante distintas. O mercado americano é visto como um dos mais seguros do mundo e por aqui temos muitas incertezas, mas a disparidade dos juros mantém o Brasil relevante para a formação dos portfólios de renda fixa”, completa ele.