Além do que é preciso para fazer funcionarem as lâmpadas, eletrodomésticos, chuveiros, fogões, fornos e aquecedores, os brasileiros consomem energia elétrica e gás natural indiretamente, incorporados na produção das mais diversas mercadorias. O gás que a padaria usa para assar os pãezinhos e bolos, a eletricidade que mantém a carne fresca no frigorífico, e a energia necessária para fabricar calçados e produtos de limpeza, por exemplo, estão embutidos nos preços desses itens, e têm impacto significativo no orçamento das famílias.
No caso do leite, para se ter uma ideia, do preço que o consumidor paga, 31,3% são referentes ao gasto com a energia usada no processo de produção, ou seja, quase um terço do valor total.
Para conhecer o verdadeiro reflexo do preço da energia nos produtos que os brasileiros consomem, a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres) encomendou o estudo técnico “Os impactos dos preços da energia elétrica e do gás natural no crescimento e desenvolvimento econômico”, à Ex Ante Consultoria Econômica, divulgado nesta terça-feira (14).
O principal interesse da entidade foi verificar o peso do encarecimento da energia elétrica e do gás natural no consumo final das famílias, já que essas são duas importantes fontes de energia usadas na produção de mercadorias. Também foi estudado o impacto da alta das tarifas no orçamento familiar e sobre os custos de produção da indústria brasileira.
Segundo a Abrace, entre 2000 e 2019, a tarifa residencial de energia elétrica acumulou variação de 276,7%, e o custo do gás de botijão cresceu 260,7%, considerando dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A eletricidade e o gás usado em casa, entretanto, são apenas uma parte da energia necessária para atender às famílias brasileiras. É preciso contabilizar também o que está embutido nos bens e serviços consumidos.
No café da manhã, além do leite, o pãozinho é o item em que mais pesa o aumento das contas de energia: 31% do preço final do pão é devido à energia e ao gás usados no processo de produção. Para a manteiga, o queijo e o iogurte, o peso da energia no preço final é de 26,2%. Esse repasse, segundo a Abrace, é inevitável.
O impacto da energia no preço das carnes é de 33,3%. Do preço final da cesta básica, ela representa 23,1%, considerando pescados, laticínios e farináceos.
Mas o reflexo direto do custo da energia sobre os preços não se limita à cesta básica. Ele é observado em itens do material escolar, peças do vestuário, bens de consumo duráveis e materiais de construção, como pode ser visto na tabela acima.
O estudo mostra que as famílias com menor poder aquisitivo gastam relativamente mais com energia: em 2018, para as pessoas que recebiam salários de até R$ 1.908 por mês, as contas de luz e gás e as despesas com combustíveis correspondiam a 9,1% da renda total. Somando a energia contida nas mercadorias e serviços, as despesas totais se aproximam de 17,9% da renda familiar.
Para as famílias com renda mensal superior a R$ 1.908 e de até R$ 2.862, o gasto direto com energia, gás e combustível em 2018 comprometia 8,2% do orçamento, enquanto o custo total é calculado em 18%. Para a faixa com salário entre R$ 2.862 e R$ 5.724, os valores são 8,1% e 18,3%; para quem recebe entre R$ 5.724 e R$ 9.540, o gasto direto é de 7,2%, e o total fica em 17,9%.
A faixa de renda seguinte é das famílias que recebem entre R$ 9.549 e R$ 14.310, para as quais se calcula um gasto direto de 6,3% com energia, gás e combustível, e total de 17,4%. Depois, para quem ganha mensalmente de R$ 14.310 a R$ 23.850, os valores são 4,9% e 16,50%. Por fim, para rendas acima de R$ 23.850, o gasto direto com energia, gás e combustível é de 3,5% dos ganhos, enquanto o gasto total é de 15,4%.
O aumento das despesas com energia contribuiu para acentuar a crise industrial e diminuiu o dinamismo do crescimento econômico. A queda da produção industrial conteve a taxa de expansão do PIB e reduziu a demanda por bens e serviços intermediários não produzidos, deixando de gerar renda e emprego.
Segundo o estudo, chama atenção o fato de que a indústria teve evolução desfavorável do custo unitário com energia elétrica. Entre 2000 e 2021, esse índice passou de R$ 100 para quase R$ 1.100, registrando um aumento de, aproximadamente, 1.084% em 21 anos. O custo unitário com gás natural da indústria brasileira teve variação acumulada de 1.894%, em 21 anos.
O processo de encarecimento da energia levou a perdas de produção e a uma redução intensa do investimento, com impacto sobre o crescimento econômico e a inflação.