A Comissão de Meio Ambiente (CMA) debateu nesta quarta-feira (11) um projeto de lei que obriga o reflorestamento de áreas rurais com floresta nativa que sofreram queimadas ilegais (PL 135/2020). Senadores e representantes de órgãos e instituições relacionados a meio ambiente e agricultura se dividiram entre defesa e críticas à proposta, de autoria de Jorge Kajuru (Podemos-GO).
Presidente da CMA e relator do projeto, o senador Jaques Wagner (PT-BA) afirmou que, com os “devidos aperfeiçoamentos”, vê como positiva a eventual aprovação do PL 135.
Para o professor Ricardo Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP) e da ONG Coalizão Ciência e Sociedade, o combate a incêndios florestais deve ser uma prioridade nacional.
— O fogo no Brasil é usado na expansão das fronteiras agrícolas, o que impede qualquer planejamento ambiental ou agrícola na expansão dessas fronteiras. Continuamos abrindo propriedades com irregularidades para reservas legais e matas ciliares. O Brasil não está comprometido com o desenvolvimento sustentável, todas as pesquisas científicas comprovam isso, devido a esse modelo de expansão baseado nas queimadas — lamentou o cientista.
A secretária-executiva do Observatório do Código Florestal, Roberta del Giudice, pediu que o Brasil combata o que chamou de “ciclo do desmatamento”.
— Vivemos um ciclo criminoso ligado à regularização fundiária, o objetivo é sempre esse. Um quadro de grilagem de terra sistemático, ocupações ilegais, violências no campo, formação de milícias e quadrilhas. Visando à regularização fundiária, com a posterior comercialização dessas terras. As queimadas são o sintoma desse fenômeno brasileiro — denunciou a representante do observatório, que reúne 28 instituições da sociedade civil com objetivo de monitorar a implementação da Lei Florestal no país.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) também advertiu que, no seu estado, as queimadas cresceram muito nos últimos anos, e por isso é necessária uma legislação mais dura no combate a criminosos ambientais.
— O objetivo deste projeto é apertar os devastadores, os indisciplinados. Nos últimos cinco anos aumentou a devastação na Amazônia, como os próprios dados oficiais nos comprovam todos os dias — denunciou.
Críticas
Já o senador Zequinha Marinho (PL-PA), que presidiu a maior parte da reunião, criticou o PL 135. Para ele, o Brasil já tem um marco regulatório condizente no combate a queimadas ilegais. Além disso, avaliou, o PL 135 partiria de “premissas irreais”, entre outros motivos, devido ao déficit que, no entender do senador, o Brasil ainda tem na regularização fundiária.
— É um consenso que a queimada criminosa deve ser punida, mas questões estruturais da produção rural precisam ser observadas. Por exemplo, se um fogo sair de controle numa pequena propriedade da agricultura familiar, florestas de outras dezenas de pequenos produtores serão atingidas. O que esse pessoal todo vai fazer, vai parar de produzir alimentos para reflorestar ou vai abandonar o assentamento? Esse projeto é irreal. O Código Florestal [Lei 12.651, de 2012] já disciplina a questão das queimadas. E sem regularização fundiária, é uma ilusão achar que vamos pegar o CPF ou CNPJ de quem realiza queimadas ilegais — criticou Zequinha, autor do pedido para a audiência pública.
O senador também esclareceu que a maior parte dos produtores brasileiros ainda necessita “tecnificar” a produção para que o uso do fogo seja abandonado.
Para o representante do Ministério da Agricultura, Pedro Neto, o PL 135 ainda corre o risco de abrir brechas legais que resultarão no aumento das queimadas.
— O projeto é bem intencionado, mas o resultado pode ser o oposto. Produtores rurais inescrupulosos poderão causar incêndios intencionalmente em APPs (áreas de preservação permanente) e reservas legais visando ao reflorestamento na exploração de essências florestais de alto valor comercial — alertou.
O representante do Ministério da Agricultura concordou com Zequinha Marinho, reforçando que o Código Florestal e outras ferramentas já comporiam um “marco jurídico apropriado” no combate às queimadas. Pedro Neto também avalia que o reflorestamento obrigatório como previsto no PL 135 pode fazer cair a produção alimentar.
Dois representantes da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) também fizeram ponderações. Rodrigo Justus, consultor jurídico da CNA, pediu que o Senado priorize a votação do PL 11.276/2018, que trata do manejo integrado do fogo, em vez do PL 135. Já Leonardo Minaré, da assessoria técnica da CNA, advertiu que o PL 135 não daria conta de encontrar o “nexo de causalidade” entre criminosos ambientais e eventuais propriedades vítimas de incêndios. Além disso, o projeto estabeleceria uma espécie de “pena perpétua” com, na prática, uma expropriação por meio do reflorestamento, avaliou.