O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, recebeu de artistas e representantes do Movimento 342 Amazônia documento contra a tramitação, no Congresso Nacional, de propostas que podem gerar impacto ambiental no país. A audiência, liderada pelo cantor e compositor Caetano Veloso, ocorreu no Salão Negro, na tarde desta quarta-feira (9) e reuniu senadores, deputados e dezenas de artistas, como a atriz Cristiane Torlone, os cantores Seu Jorge e Nando Reis e a produtora cultural Paula Lavigne que pediram aos senadores o voto contrário aos projetos que facilitam a mineração em terras indígenas, flexibilizam as regras de licenciamento ambiental e a regularização fundiária e a ampliação do número de agrotóxicos no Brasil.
Como porta voz do grupo, Caetano Veloso disse que o país vive, atualmente, sua maior “encruzilhada ambiental” desde a redemocratização ao registrar o crescimento do desmatamento na Amazônia e o aumento da frequência de tragédias climáticas e ambientais como as mais recentes, em Minas Gerais e na Bahia. Para ele, caso as propostas venham a ser aprovadas, elas vão facilitar o desmatamento, permitir a mineração e o garimpo em terras indígenas e desproteger a floresta contra a grilagem e os criminosos. Ele pediu que o Senado “desperte” contra essas medidas.
— O Senado tem o poder e a responsabilidade de impedir mudanças legislativas irreversíveis que, cedendo a interesses localizados, empurram uma conta imensa para a sociedade e comprometem o futuro do país — clamou.
O documento entregue por Veloso traz cinco projetos que estão relacionados à questão ambiental. Um deles, em tramitação na Câmara dos Deputados, é o PL 6.299/2002 que altera a Lei dos Agrotóxicos e flexibiliza a utilização desse produto. Enquanto o evento acontecia no Senado, a Câmara aprovava requerimento de urgência justamente para votar a matéria em plenário, o que foi criticado pelo cantor Nando Reis.
— É fundamental que haja, dentro do jogo político, um freio que impeça essa barbaridade que está na iminência de acontecer. A responsabilidade dos senhores aqui do Senado é imensa porque o peso dessa desgraça se abaterá sob a consciência de todos vocês, mas isso é pouco perto do sofrimento de toda população e das futuras gerações — afirmou.
Em resposta, Rodrigo Pacheco reforçou que o Senado tem o compromisso e a preocupação de avançar na pauta que busque equilibrar a preservação do meio ambiente e estimular o crescimento econômico. Ele citou entre essas medidas aprovadas pela Casa a adaptação do Plano Nacional de Mudanças Climáticas ao Acordo de Paris e a antecipação das metas de redução de emissão de gases de efeito estufa e garantiu aos artistas que irá tratar a tramitação dos demais projetos com cautela, sem açodamento, dando tramitação “digna e proporcional a importância do que eles representam”.
— Porque nós não podemos ser compreendidos, nem o Congresso Nacional, nem o nosso país, como párias internacionais apartados e afastados da pauta do meio ambiente. Então o compromisso que faço é de que nenhum desses projetos será diretamente pautado no plenário do Senado Federal sem apreciação, e sem a tramitação devida no âmbito das comissões permanentes temáticas da Casa — garantiu.
Atualização da legislação
Os projetos de lei que tratam da instituição da lei geral do licenciamento ambiental (PL) 2.159/2021 e do novo marco da regularização fundiária (PL 2.633/2020 e PL 510/2021) também foram alvo de critica dos participantes. As duas propostas tramitam no Senado Federal, nas Comissões de Meio Ambiente (CMA) e a de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), responsável por articular a audiência desta quarta-feira, disse que, na prática, as matérias “regularizam a grilagem”.
— Por mais paradoxal que pareça, é isso na prática. Regulariza a prática criminosa da grilagem. E todas essas matérias são ameaçadoras para o ecossistema do país, e em especial, para o ecossistema da Amazônia — alertou.
Sobre as matérias, Rodrigo Pacheco informou que elas estão seguindo a tramitação de análise e votação na Casa, inclusive com amplas discussões nas comissões temáticas. Ele disse que o Brasil enfrenta um “grande problema” que é o desmatamento ilegal mas que há a necessidade de se avançar em uma política que “compatibilize o desenvolvimento econômico” com a “preservação do meio ambiente”.
— E quando se identifica um projeto de regularização fundiária é evidente que se tem de encontrar um equilíbrio entre a necessidade que muitos já defenderam e continuam defendendo do sujeito ser o detentor da terra (…) com a impossibilidade de se titularizar uma ofensa ambiental ou uma grilagem de terra. Assim como a modernização de algum marco legislativo referente a licenciamento ambiental que não signifique, ou que não deve significar, um passe livre para o desmatamento, para a violação ambiental, para licenciamentos absolutamente sem regras — avaliou.
Mineração em terras indígenas
Os artistas e representantes da sociedade civil refutaram ainda na audiência as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a exploração de potássio, matéria prima de fertilizantes usados na agricultura brasileira. Com o conflito internacional, o produto pode faltar ou encarecer. Para eles, o presidente estaria usando a guerra no Leste Europeu como alegação para defender a liberação de mineração em terras indígenas.
— Com essa desculpa de que a guerra não vai poder oferecer fertilizantes para o agronegócio. Eu não acredito que o Senado vai deixar se enganar por esse subterfúgio de que é preciso liberar a mineração nos territórios indígenas para atender mais essa ganância do capitalismo, do agronegócio, das grandes multinacionais — afirmou Sônia Guajajara, indígena e coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
A mesma questão foi reforçada pela cantora Daniela Mercury.
— Potássio tem em São Paulo, Minas Gerais, Sergipe. Só tem 11% do Potássio no Brasil nas terras indígenas. Deixa as terras indígenas lá preservadas, nos precisamos da floresta de pé — pediu.
Sobre o tema, apesar de defender a autonomia de fertilizantes no Brasil, Pacheco disse se deve potencializar essas reservas “de preferencia, sem atentar contra florestas ou áreas indígenas”.
“Pacote do veneno”
Ainda durante o evento, o presidente do Senado recebeu uma vídeo chamada do cantor Chico Buarque, que não pode participar do evento por se recuperar de uma cirurgia. Pelo telefone, ele disse que se somava a voz dos artistas para repudiar o que chamou de “pacote do veneno” e reforçou o pedido para que o Senado impeça a aprovação desse pacote “criminoso”.
A audiência também foi acompanhada pelos senadores Humberto Costa (PT-PE), Otto Alencar (PSD-BA), Eliziane Gama (Cidadania-MA), Paulo Rocha (PT-PA), Fabiano Contarato (PT-ES), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jaques Wagner (PT-BA), Alexandre Silveira (PSD-MG), Rogério Carvalho (PT-SE). Também esteve presente o bispo de Caxias do Maranhão (MA) e presidente da Comissão Especial sobre a Mineração e a Ecologia Integral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Sebastião Lima Duarte.
Os artistas e participantes da audiência integram o “Ato pela Terra“. O movimento tomou a Esplanada dos Ministérios nesta quarta-feira. Agora à noite, eles se concentraram em frente ao Congresso Nacional, no gramado.
Projetos do manifesto:
Em tramitação no Senado
– PL 2.633/2020: altera a Lei de Licitações e Contratos Administrativas para ampliar o alcance da regularização fundiária
– PL 2.159/2021: altera normas gerais para o licenciamento ambiental
Em tramitação na Câmara
– PL 490/2007: altera a legislação de demarcação de terras indígenas
– PL 191/2020: regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas
– PL 6.299/2002: altera a Lei dos Agrotóxicos e flexibiliza a utilização desse produto.