Em três semanas de debates, Senado aprimorou PEC dos Precatórios, que voltou à Câmara

Deputado Aguinaldo Ribeiro, senador José Aníbal, o relator e líder do governo, Fernando Bezerra Coelho, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco na votação da PEC

Fonte: CenárioMT com inf. Agência Senado

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Jefferson Rudy/Agência Senado

Aprovada pela Câmara dos Deputados em 9 de novembro, a PEC dos Precatórios (PEC 23/2021) teve tramitação rápida no Senado: apenas três semanas. Mesmo assim, depois de um intenso debate e negociações, a Casa conseguiu votar a proposta na quinta-feira (2) e devolver à Câmara um texto aprimorado — como a inclusão do direito à renda básica na Constituição e a garantia de que a folga orçamentária criada não seja usada para fins eleitorais.

Para ser promulgada e entrar em vigor como emenda constitucional, a PEC precisa ser aprovada sem alterações pelos deputados.

A proposta libera “espaço fiscal” no Orçamento de 2022 para o pagamento de R$ 400 mensais aos beneficiários do Auxílio Brasil, programa de transferência de renda sucessor do Bolsa Família. Para isso, o texto cria novos limites (o chamado sub-teto) para o pagamento de precatórios — dívidas da União e dos entes federados originadas de sentenças judiciais definitivas — e altera a forma de calcular o “teto de gastos” imposto pela Emenda Constitucional 95, de 2016. Estima-se em pouco mais de R$ 106 bilhões o espaço fiscal criado.

Em negociações que muitas vezes vararam a noite ao longo das últimas três semanas, o relator da PEC, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que também é líder do governo no Senado, conseguiu chegar a um acordo para um texto aprovado com 64 votos no primeiro turno e 61 no segundo.

— Creio que, assim, damos uma resposta à altura do desafio que se colocou perante o Congresso Nacional — resumiu Fernando Bezerra na sessão de quinta-feira, citando o apoio dos colegas Izalci Lucas (PSDB-DF), José Aníbal (PSDB-SP), Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Simone Tebet (MDB-MS) e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).

Alterações

Na forma aprovada pelo Plenário do Senado, a proposta altera quatro artigos da Constituição, além do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

Artigos 6º e 203, que tratam, respectivamente, dos direitos sociais e da assistência social, passaram a ser modificados na versão da PEC aprovada pelos senadores. No artigo 6º foi incluído um parágrafo único garantindo a “todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social” o direito a “uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda”. No artigo 203 foi incluída entre os objetivos da assistência social “a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza”.

Embora a alteração não fosse essencial para o pagamento do Auxílio Brasil (ela não constava da versão da Câmara), a inclusão da renda básica entre os direitos constitucionais era uma antiga reivindicação de senadores do campo progressista. Na sessão de quinta-feira, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) saudou o acréscimo do dispositivo ao texto.

— Pelo menos desde a primeira década deste século, entre 2000 e 2010, desde o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), é reivindicado o direito de todos os brasileiros a uma renda básica.

Artigo 100, que trata dos precatórios devidos por União, estados, Distrito Federal e municípios. Esses dispositivos permitem diversos tipos de negociação para a redução do montante de precatórios. O credor de precatórios passa a poder, por exemplo, usá-los para abater dívidas com a União, comprar imóveis públicos, pagar outorga de serviços públicos ou adquirir participação societária em empresas públicas.

O Senado introduziu nesse artigo um parágrafo obrigando União e entes federativos a incluir no Orçamento a verba necessária ao pagamento dos precatórios apresentados até 2 de abril do exercício anterior, a fim de aumentar no futuro a previsibilidade dos gastos públicos.

Artigo 160, que trata dos repasses da União a estados, Distrito Federal e municípios. Foi inserido na Câmara, e mantido no Senado, um parágrafo permitindo ao governo negociar com estados, Distrito Federal e municípios uma espécie de “encontro de contas”, abatendo dos fundos de participação eventuais débitos desses entes federativos com a União.

O texto da Câmara inseria ainda dois parágrafos no artigo 167 da Constituição, que trata da responsabilidade na execução orçamentária. Esses parágrafos, retirados no Senado, criavam para os entes federativos a possibilidade de “securitizar” dívidas tributárias, ou seja, revendê-las no mercado, com desconto. O relator Fernando Bezerra reconheceu que “a medida, apesar de meritória, não encontrou consenso no Senado Federal”.

ADCT

Vários artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (101, 107, 115 a 118) sofrerão alterações, caso a versão aprovada pelo Senado seja promulgada.

É introduzido um novo artigo no ADCT, o 107A. É ele que estabelece os critérios para definir o sub-teto dos precatórios. O dispositivo também explicita que o “espaço fiscal” criado será destinado ao Auxílio Brasil e à “seguridade social”, definida na Constituição (artigo 194) como “saúde, Previdência e assistência social”.

Outro artigo introduzido pelos senadores determina que o espaço fiscal criado em 2022 será destinado à “ampliação de programas sociais de combate à pobreza e à extrema pobreza” e à “saúde, Previdência e assistência social”. O objetivo era evitar que uma sobra no espaço fiscal fosse usada para outros fins, com objetivo de ganhar votos em ano eleitoral.

Fatiamento

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) foi uma das defensoras mais veementes desse trecho durante a discussão no Senado. Ela cobrou do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o compromisso de trabalhar para que essa parte da PEC não seja “fatiada” na Câmara:

— Queremos este compromisso público, que não se autorize que a Câmara, quando for votar, desmembre os textos, para que lá eles não tirem aquilo que é prioritário e primordial e que fez com que a gente conseguisse os votos necessários, que é a vinculação de todo o espaço fiscal única e exclusivamente para a seguridade social, para o Auxílio Brasil, para a assistência social, para a previdência, para a saúde — disse.

Também por sugestão de Simone, foi alterado o prazo do sub-teto dos precatórios, de 2036 (na versão aprovada pela Câmara) para 2026. Segundo ela, esses cinco anos são “um tempo razoável para a economia se recuperar” e o governo poder retomar o pagamento integral dos precatórios sem causar mais prejuízos aos credores.

Precatórios alimentícios

A ordem de prioridade de pagamento dos precatórios prevista na PEC sofreu importantes alterações no Senado. Pelo texto devolvido à Câmara, terão preferência as chamadas “requisições de pequeno valor” (RPVs) — como são chamados os precatórios de até 60 salários mínimos — e os precatórios de natureza alimentícia — sendo que, entre estes últimos, serão prioritários aqueles devidos a maiores de 60 anos e pessoas com deficiência.

O texto enviado pela Câmara não mencionava como prioritários os precatórios alimentícios, que a Constituição define como “aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez”. O relator Fernando Bezerra reconheceu a luta do senador Antonio Anastasia (PSD-MG) pela priorização dos precatórios alimentícios.

Abono dos professores

Outra alteração importante feita pelo Senado foi a exclusão do teto de gastos dos precatórios originados de ações judiciais relativas ao Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério). Esses precatórios são destinados, em grande parte, ao pagamento de abono salarial aos professores e, caso não fossem excepcionalizados na PEC, poderia ocorrer forte perda de renda para essa categoria.

A versão aprovada pelo Senado obriga o governo a liberar o pagamento dos precatórios do Fundef anualmente em três parcelas, sendo 40% até abril, 30% até agosto e 30% até dezembro.

Comissão mista

Uma reivindicação de alguns senadores, decorrente do forte aumento do gasto com precatórios nos últimos anos, foi a criação de uma comissão mista do Congresso Nacional para “exame analítico dos atos, fatos e políticas públicas” geradores de precatórios.

Essa comissão, que terá um ano para ser criada a partir da promulgação da emenda constitucional, atuará em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Contas da União na busca de formas de reduzir as sentenças judiciais contrárias à fazenda pública.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM), principal defensor da criação da comissão, explicou a gravidade do problema dos precatórios, comparando-o à crise da dívida externa brasileira do final do século passado:

— Em 2017, o precatório no Brasil era de R$ 17 bilhões. Agora em 2022, alcança a estratosfera de aproximadamente R$ 90 bilhões. A Instituição Fiscal Independente do Senado [IFI] já aponta que o pipeline de precatórios dos próximos cinco anos já se aproxima de R$ 1 trilhão — advertiu.

Outra alteração introduzida no Senado adequou os prazos de vigência da emenda constitucional à legislação orçamentária.