Vários senadores criticaram o governo federal após a divulgação, na noite de quarta-feira (22), de documentação que indica que o Ministério da Saúde possuía uma estratégia de uso do chamado “kit covid de tratamento precoce” no Amazonas durante a crise que aconteceu nesse estado entre o final de 2020 e o início deste ano. Essa documentação faz parte dos arquivos que a CPI da Pandemia recebeu e está analisando. O “kit covid de tratamento precoce” é composto por medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou em suas redes sociais que o Amazonas, estado que ele representa, foi usado como “cobaia” pelo governo federal.
“Não há dúvidas de que houve crime contra a vida e sanitário. Usaram o Amazonas como cobaia. E, quanto à vacina, a omissão do governo foi muito grande. Principalmente Manaus, que foi usada como cobaia para experimentos com medicamentos sem qualquer eficácia comprovada [contra a covid-19]. Isso é muito sério, especialmente no momento que foi, durante a crise da falta de oxigênio. A CPI vai aprofundar essa investigação e os culpados serão responsabilizados”, disse ele.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) também defende o aprofundamento das investigações da CPI sobre as tentativas do Ministério da Saúde de massificar o uso do “kit covid” no Amazonas.
“Eis mais uma evidência de que devemos ir mais a fundo nas investigações sobre a tragédia que vitimou tantos amazonenses e destruiu tantas famílias. Em janeiro, no auge da crise no Amazonas, o Ministério da Saúde pagou viagem de 11 médicos a Manaus para orientar profissionais da saúde a receitar drogas ineficazes”, ressaltou Braga, que também é parlamentar pelo Amazonas, em suas redes sociais.
Em entrevista à Agência Senado, o senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, declarou que é “muito grave” a atuação dessa comitiva de médicos. Para Otto, eles poderão estar passíveis a processos.
— É lamentável saber que uma secretária do Ministério da Saúde, chamada de “capitã cloroquina” [referência a Mayra Pinheiro, que seria a responsável por essa comitiva e ocupa o cargo de secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde desse ministério], tenha estimulado o uso desses medicamentos [sem eficácia comprovada contra a covid-19]. Transformaram Manaus num laboratório de experiências. Isso levou a óbitos e a outras graves consequências. Enquanto as pessoas precisavam de oxigênio, um grupo de médicos, usavam remédios ineficazes, sem qualquer comprovação científica, como a cloroquina. A CPI prova o grau de irresponsabilidade disso; esses médicos cometeram crime sanitário — ressaltou Otto.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) também criticou, em suas redes sociais, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. “Crime contra a vida! Secretária [Mayra Pinheiro] não tem conhecimento algum de estudos sobre a eficácia do mentiroso “tratamento precoce”. Escárnio! Enquanto pessoas morriam, a médica Mayra Pinheiro, sabendo da falta de comprovação científica, lançava um aplicativo que receitava cloroquina até para bebês!”, protestou Paulo Rocha, fazendo menção a outra iniciativa do Ministério da Saúde na época: o aplicativo TrateCov.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), a CPI da Pandemia precisa ouvir novamente Mayra Pinheiro.
— A quantidade de medicamentos que foi vendida nesse período pelas empresas que produzem cloroquina, ivermectina e azitromicina cresceu vertiginosamente. Foi um lucro muito grande, e identificamos uma relação promíscua entre essas empresas e profissionais de saúde que assumiram a prescrição do “kit covid” — destacou Humberto em entrevista à Agência Senado,
Por outro lado, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) avalia que o governo federal não tentou impor o “kit covid”. Seu argumento, que se assemelha ao que Mayra Pinheiro apresentou durante depoimento à CPI, é de que o Ministério da Saúde apenas buscou oferecer mais uma opção de tratamento para os pacientes.
— Era uma indicação: “Olha, quem quer fazer o uso, faça dentro de sua liberdade como médico de receitar e de se responsabilizar pelo seu paciente”. Cada médico se responsabilizaria pelo seu paciente. Não era algo impositivo, “tem que”. Era assim: se quisesse, poderia fazer a solicitação, que o estado solicita ao governo [federal] e o governo [federal] envia. Garanto a você que não era imposto, era sugerido — afirmou Marcos do Val em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo.
Reportagem
A divulgação dos documentos que indicam a estratégia do Ministério da Saúde de usar medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 no Amazonas foi feita na noite de quarta-feira (21) pelo Jornal Nacional. De acordo com a reportagem, o Ministério da Saúde teria pago, em janeiro, a viagem de 11 médicos a Manaus para defender o “tratamento precoce” no combate à pandemia. Esse objetivo estaria comprovado em e-mails que contêm relatórios desses médicos.
Num dos e-mails, um dos médicos sugere a abertura de tendas do lado de fora de hospitais, onde seria aplicado exclusivamente o “tratamento precoce”. Ele aponta como um “problema” o fato de as Unidades Básicas de Saúde (UBS) locais não possuírem os medicamentos do “kit covid” em “quantidade adequada”, mas argumenta que isso poderia ser resolvido com o uso das tendas — e ressalta que, nas tendas, seria dado aos pacientes o direito de escolha pelo “kit covid”.
Esse médico também teria afirmado que um dos problemas no Amazonas era a resistência de médicos locais em prescreverem o “kit covid”. Além disso, ele e outro colega da comitiva defenderam o treinamento de médicos locais para que estes passem a prescrever os medicamentos sem eficácia comprovada.
Em declaração ao Jornal Nacional, o presidente da CPI da Pandemia, Omar Aziz, questionou: “A troco de quê essa comitiva de médicos agiu dessa forma no Amazonas?”.