Em audiência na Comissão de Segurança Pública (CSP) nesta terça-feira (4), defensores públicos de três estados deram um panorama da atuação dos seus órgãos e fizeram sugestões para aprimorar o processo penal. A audiência integrou o processo de avaliação de política pública pela CSP neste ano. A comissão escolheu analisar o trabalho da Justiça no período de 2017 a 2022 quanto ao papel de defesa e preservação de direitos fundamentais, com celeridade e eficiência.
Os defensores destacaram a atuação da defensoria em diversas áreas e a influência positiva do órgão sobre o funcionamento da Justiça. Ricardo de Araújo Teixeira, de Minas Gerais, chamou atenção para o trabalho da defensoria junto aos tribunais superiores. Ele explicou que os defensores conseguem fazer avançar para essas cortes questões de proteção de direitos fundamentais, que se iniciam em casos sob a sua supervisão. Assim, eles “desmistificam” a ideia de que só “pessoas de alta condição financeira” podem acionar as últimas instâncias da justiça.
— [A defensoria] traz à apreciação dos tribunais superiores matérias muito sensíveis à população carente e de extrema relevância para o direito penal e processual penal. A partir daí temos várias decisões que vêm sendo proferidas pelos tribunais reconhecendo violações de direitos, como violações de domicílio, reconhecimentos [de acusados] feitos sem as formalidades legais e aperfeiçoamentos na persecução probatória e preparatória da ação penal.
No entanto, Teixeira reconheceu que a realidade do trabalho na área penal é desafiadora.
— O rumo da justiça penal precisa mudar. Convivemos hoje com varas judiciais assoberbadas de processos, unidades prisionais superlotadas e direitos e garantias sendo relegados ao segundo plano.
Falta de defensores
Glauco Mazetto Tavares Moreira, de São Paulo, pontuou que os problemas de atraso da Justiça dizem respeito à falta de profissionais. Ele explicou como isso se reflete no andamento de processos e como a presença de mais servidores qualificados poderia colaborar para a desobstrução do sistema, através da dissolução rápida de processos.
— A falta de defensores prejudica a atuação durante o inquérito, antes da denúncia. Se a defensoria tivesse estrutura para também atuar no inquérito, a investigação defensiva ganharia corpo e muitos casos que lá pra frente gerariam absolvição sequer chegariam a isso. Seriam arquivados.
Moreira afirmou também que é preciso “cuidado” na cobrança de celeridade das instâncias judiciais, pois isso pode facilmente ser usado em detrimento da defesa. Para ele, a legislação deveria dar cobertura a esses casos.
— Muitas vezes, em nome da celeridade, pedidos de liberdade e até de diligências são indeferidos. Talvez fosse de bom tom um cuidado legislativo para trazer critérios objetivos visando evitar que a celeridade seja utilizada para a negativa de direitos em geral.
Reconhecimento por fotografia
Isabel Schprejer, do Rio de Janeiro, também fez sugestões de ação legislativa ao falar sobre contribuições da defensoria. Ela citou estudos feitos sobre a prática do reconhecimento por fotografia, que têm gerado prisões equivocadas que podem demorar anos para serem corrigidas. Alguns desses problemas têm sido coibidos pelos tribunais, mas falta um respaldo das leis.
— Esses estudos demonstram de maneira clara e concreta o viés racial e o impacto desproporcional dos erros no emprego do reconhecimento sobre a população negra. Isso denota a seletividade presente no sistema de justiça criminal brasileiro. Apesar de toda a evolução jurisprudencial nos últimos anos, para que se evite novos erros é importante pensar numa reforma do Código de Processo Penal nessa parte.
Outras pesquisas feitas pela defensoria do Rio de Janeiro incluem temas como a efetividade das audiências de custódia, a incidência de agressões no momento de prisões e a importância de ferramentas de controle e transparência da ação policial — como câmeras nos uniformes.
Devido processo legal
A audiência foi presidida pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES). Ele exaltou o trabalho da defensoria, órgão pelo qualgarantiu ter “admiração e respeito”.
— A defensoria tem um olhar mais humanizador, exerce mais a empatia. Se você quer ver se um governo quer bem à sua sociedade, veja como ele trata a defensoria pública. Ela tem que estar em todos os estados e em todos os municípios. Aí sim vamos ter igualdade de tratamento, assegurando a vida, a liberdade, a ampla defesa e o devido processo legal.
Também participaram da audiência o desembargador Edison Brandão, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); e a advogada Gabriela Bemfica, vice-presidente da Comissão de Ciências Criminais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).