Senadores e especialistas debateram no Plenário do Senado nesta segunda-feira (12) o PL 1.293/2021, que permite o autocontrole na produção agropecuária. Defensores do projeto garantiram que ele não enfraquecerá a fiscalização sanitária do Ministério da Agricultura, ao contrário do que alertam os críticos da proposta.
Já aprovado na Câmara dos Deputados, se passar no Senado o PL do autocontrole seguirá para a sanção presidencial. Os senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS) — que presidiu a sessão e é o relator do projeto na Comissão de Agricultura (CRA) — e Wellington Fagundes (PL-MT) defenderam a aprovação do projeto ainda este ano. Heinze declarou que o projeto terá “reflexo na mesa dos brasileiros, com alimentos mais baratos, e o mais importante, sem descuidar da saúde da população”.
Pelo texto, o Ministério da Agricultura e demais órgãos públicos integrantes do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) “poderão credenciar pessoas jurídicas ou habilitar pessoas físicas” para a criação e execução de sistemas de autocontrole que mantenham seus produtos, rebanhos e lavouras saudáveis. Caberá ao Estado chancelar e fiscalizar o cumprimento desses programas.
Segurança jurídica
Representantes dos produtores defenderam a aprovação do projeto. Para eles, o autocontrole não afeta a fiscalização de defesa agropecuária, traz segurança jurídica para a cadeia produtiva e aumenta a quantidade de informações à disposição dos fiscais.
— As empresas do setor de laticínios já têm autocontrole. O programa estará sob a chancela do ministério, não é ao bel prazer da empresa. Ninguém vai querer que sua marca seja denegrida no mercado — lembrou Gustavo Beduschi, diretor-executivo da Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos).
Saúde e meio ambiente
Especialistas do mundo acadêmico, porém, convidados à sessão pelo senador Paulo Rocha (PT-PA), expressaram o temor de que na prática o texto fragilize o poder de fiscalização do Ministério da Agricultura, e pediram sua rejeição ou pelo menos o prolongamento do debate.
Para Vicente Ataide Júnior, juiz federal e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o projeto pode impactar direitos constitucionais, como aqueles à saúde pública, à defesa do consumidor e à proteção ao meio ambiente.
Uma das críticas expressadas por diversos convidados foi ao teto de R$ 150 mil que o artigo 28 da proposta prevê para as multas.
— Isso seriam US$ 30 mil. Para uma multinacional, convenhamos, não é nada — alertou Lincoln Roberto Nóbrega Cordeiro, procurador e representante do Ministério Público do Trabalho.
Por sua vez, Andressa Silva, diretora da Associação Brasileira da Indústria do Arroz, afirmou que o teto da lei atual, de R$ 500 mil, “inviabiliza uma empresa familiar”.
Isabelle Novelli, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), expôs o temor de que a proposta provoque um aumento do uso de agrotóxicos nocivos à saúde humana. Luis Carlos Heinze negou, invocando um dispositivo (artigo 19, parágrafo 3º) que, segundo ele, retira os pesticidas do escopo do projeto. Esse dispositivo impede, especificamente, que o texto seja usado para o registro de novos agrotóxicos, objeto de outra norma (a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989).
Dois critérios
Os riscos para o bem-estar animal também foram expostos por alguns convidados, como Carla Lettieri, diretora-executiva da organização Animal Equality, para quem o projeto “ameaça abrir uma caixa de Pandora”:
— O mais perigoso são as lacunas que ele abre para que as empresas tenham mais poder — advertiu.
Outro ponto de crítica na sessão teve a ver com uma possível disparidade entre a fiscalização dos alimentos para consumo dos brasileiros e a dos alimentos destinados à exportação, sujeitos a exigências mais rigorosas, impostas, entre outros, pelos Estados Unidos e pela União Europeia.
Márcio Rezende Evaristo Carlos, secretário adjunto de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, considerou “bastante estranho ter surgido” a preocupação com o bem-estar animal, que, segundo ele, não está ameaçado. O representante do governo federal ressaltou que o projeto “teve origem lá na secretaria” e que as preocupações dos críticos são “infundadas”, porque “ninguém aqui está colocando uma situação de retirada de fiscalização”.
Agroindústria
De acordo com o relator, o projeto trará vantagens econômicas e não levará ao descuido da saúde da população.
— O projeto não terceiriza a competência dos auditores do Ministério da Agricultura. Eles permanecem com poder de polícia e de chancela — disse Heinze.
O senador Wellington Fagundes lembrou sua formação de médico veterinário, e disse que o projeto vai “modernizar a nossa indústria e permitir mais geração de emprego”:
— É importante que a gente modernize o Brasil. Somos a favor do Estado necessário, defendemos a força do Ministério da Agricultura na fiscalização, no poder de polícia. Não queremos de forma alguma enfraquecer o ministério, pelo contrário. Queremos fortalecer o novo sistema de inspeção. Espero que a gente possa votar esse projeto ainda esta semana — declarou o senador.
Wellington Fagundes reconheceu que as críticas ao projeto ainda podem ensejar emendas ao texto “naquilo que for possível ainda ter cuidado e aprimorar”, e reconheceu que o colega Luis Carlos Heinze “tem todas as condições de estar à frente” desse processo.
O senador Zequinha Marinho (PL-PA) pediu a palavra para elogiar o debate e defender a aprovação do PL do autocontrole:
— Chegou a hora. O projeto realmente é muito bom. O Brasil precisa disso e esta Casa precisa entregá-lo à sociedade. Ele não retira nenhuma atribuição do ministério, do fiscal, do auditor agropecuário. Ao contrário, facilita a vida. Não é porque não é feito pelo servidor público que não merece fé e credibilidade.