Em audiência pública nesta segunda-feira (2), na Comissão de Direitos Humanos (CDH), debatedoras cobraram do Congresso Nacional a aprovação de projeto de lei que consolide na legislação brasileira o crime de desaparecimento forçado. A audiência teve como tema os casos de cadáveres encontrados sem identificação em valas comuns.
O Senado aprovou em 2013 um projeto com esse teor (PLS 245/2011), com penas que podem chegar a 40 anos de reclusão. O texto foi aprovado em duas comissões da Câmara dos Deputados, mas está há quatro anos parado.
A promotora Eliana Vendramini, coordenadora do Programa de Localização e Identificação (PLID) no Ministério Público do Estado de São Paulo, afirmou que a ausência de um instrumento legal adequado já é sentida há anos, e explicou as dificuldades trazidas por essa lacuna para as autoridades e a população.
— Pelos indícios que se colhem, os desaparecimentos são cometidos por grupos armados ou milícias. Se ficar provado que é de forma sistemática, é um crime contra a humanidade. Aqui ficamos nas mãos do tipo penal de sequestro. Isso é uma vergonha. O Brasil acaba provando que não se importa com o desaparecimento de pessoas —- questionou.
O presidente da CDH, senador Humberto Costa (PT-PE), anunciou que vai pedir a verificação do andamento do projeto para tentar agilizar a sua aprovação definitiva. Para ele, o problema dos desaparecimentos de pessoas e da ocultação de cadáveres representa uma “ferida aberta” no país.
O tema veio à tona após um trabalho investigativo do portal Uol revelar 201 casos de corpos sem identificação encontrados em 41 valas clandestinas em São Paulo (SP) e no Rio de Janeiro (RJ). A maior parte das vítimas segue com a identidade desconhecida.
A jornalista Amanda Rossi, coordenadora do projeto, ressaltou que a produção da reportagem esbarrou na fragilidade dos registros em bases de dados policiais.
— É uma estatística que não existe oficialmente. O Estado brasileiro não dispõe dessa informação de forma sistematizada. O primeiro problema que precisamos enfrentar é a produção de estatísticas.
Para Rossi, o material divulgado é apenas “a ponta do iceberg”, pois há milhares de denúncias de desaparecimentos sem resolução. As valas identificadas pela reportagem, em vários casos, não foram exploradas a fundo e podem ser ainda maiores do que a área verificada. Além disso, como há indícios de que as execuções são obra do crime organizado, é possível que o mesmo modus operandi de ocultação em massa de cadáveres se repita em outras regiões do país.
Papel da polícia
Segundo a promotora Eliana Vendramini, o trabalho policial feito hoje sobre valas clandestinas se resume a procurar documentos de identificação nos corpos. Quando eles não são encontrados, os corpos são dados como anônimos. Ela cobra mais ferramentas investigativas, a começar por bancos de dados regionalizados sobre desaparecimentos.
— Os policiais deveriam ter a possibilidade de identificação genética, com um trabalho ante mortem, que, no encontro daquela vala, seria o chamamento de famílias interessadas naquele local, através de uma formação de lista que não dependa exclusivamente de um cadastro nacional. Quando se enterra um corpo sem identificação, enterra-se também a investigação do homicídio.
Além da aprovação de projeto de lei, o Congresso pode ajudar de outras formas. Silvia Virginia Silva de Souza, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), disse que também cabe aos parlamentares cobrarem providências das autoridades.
— Não há uma estratégia de segurança pública para busca ativa das valas clandestinas. É importante que olhemos para essa deficiência. Esta casa pode influenciar para que isso seja estabelecido. As pessoas que foram desaparecidas forçadamente têm direito à memoria e à verdade — salientou ela.
Também participou da audiência a subsecretária de Promoção, Defesa e Garantia dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro, Alessandra Werner. Ela enumerou algumas medidas que o governo estadual tem tomado para aprimorar a investigação de desaparecimentos, incluindo a criação de uma Delegacia de Descoberta de Paradeiros, da Polícia Civil, além de núcleos de atendimento a familiares.