Durante audiência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, nesta quarta-feira (10), o senador Paulo Paim (PT-RS) e representantes de comunidades quilombolas alertaram para a necessidade de agilizar o processo de regularização de terras para esses povos. Para eles, a longa espera pela titulação contribui para o aumento dos conflitos e das ameaças nos territórios quilombolas, colocando em risco a existência dessas comunidades e a preservação ambiental. O debate desta quarta-feira faz parte da agenda de mobilização do Aquilombar, evento que reúne caravanas de quilombolas de todo o país em Brasília com o objetivo de inserir suas demandas na pauta política.
A audiência na CDH aconteceu a pedido de Paulo Paim. Ele apresentou dados da ONG Global Witness que colocam o Brasil como quarto país no mundo que mais mata ativistas ambientais. Para o senador, esses números indicam a falta de políticas públicas que possam garantir proteção e condições básicas de vida às comunidades quilombolas e aos povos originários responsáveis, segundo ele, pela preservação das florestas brasileiras. Paim ressaltou que a falta de agilidade na emissão de títulos de regularização de terras para essa população é um desafio a ser superado.
— No Brasil não se sabe quantos quilombos existem. Segundo levantamento da Fundação Cultural Palmares, são em torno de 3.600 grupos. Apenas 154 foram titulados. De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), 1.700 grupos estão aguardando a conclusão dos estudos antropológicos ou a emissão de laudos técnicos para conquistarem seus títulos definitivos. Cuidar do meio ambiente é também proteger e respeitar os povos originários: quilombolas, indígenas e os povos das florestas que combatem o desmatamento e a degradação ambiental — afirmou o senador.
Essa crítica foi reforçada por Roberto Potácio Rosa, coordenador da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) do Rio Grande do Sul. Para ele, a demora nas titulações tem sido agravada pela paralisação dos processos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pelo baixo orçamento para a titulação dos territórios quilombolas no país.
— O que tinha de política de titulação, de demarcação para as comunidade quilombolas, elas foram esvaziadas. Haja vista o orçamento que se tem, mal dá para o Incra visitar uma ou outra comunidade. Não tem nenhuma participação de advocacia do Incra no que tange a tocar os procedimentos administrativos na questão da demarcação do território — disse Roberto.
O artigo 68 da Constituição garante que os remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras tenham a propriedade reconhecida. Em 2003, no governo do ex-presidente Lula, foi assinado o Decreto 4.887, de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
Orçamento
A coordenadora da Conaq do Espírito Santo, Katia Penha, declarou que as comunidades quilombolas vivem as “piores violações dos seus direitos” dos últimos anos. De acordo com ela, o enfraquecimento de instituições e órgãos como a Fundação Cultural Palmares e o Incra, além dos seguidos cortes orçamentários, têm impedido o acesso desses povos aos seus direitos básicos.
— É preciso que o Congresso [reveja o Orçamento], é preciso que o Senado brasileiro reveja o Orçamento. Quando se chega ao Orçamento, é preciso olhar para essas comunidades, para esse povo que está no campo defendendo o meio ambiente, defendendo a vida, produzindo alimento que vai para a mesa dos brasileiros — argumentou Katia.
Neste ano, o governo federal decidiu cortar R$ 40 milhões do Orçamento Geral da União que seriam destinados ao saneamento básico em comunidades rurais e quilombolas. Foram vetados ainda R$ 773 mil para regularização, demarcação e fiscalização de terras indígenas e proteção dos povos isolados. Na opinião de Antonio Mendes, também representante da Conaq, as iniciativas do atual governo federal têm o objetivo de fragilizar ainda mais as comunidades quilombolas.
Outra representante da Conaq, Celia Cristina da Silva Pinto, relatou as ameaças as quais estão submetidas as famílias dessas comunidades. Segundo ela, os territórios já ocupados por quilombolas tem sido invadidos, o que leva violência e isolamento a esses povos.
— Milhares de nós que estamos aqui, os nossos territórios hoje estão com fazendeiros lá dentro, com grileiros, com pistoleiros. Famílias e famílias sendo ameaçadas. Famílias e famílias fora dos seus territórios, amparadas por um programa de proteção de direitos humanos que não protege. Que, em vez de nos garantir segurança, nos deixa ainda mais inseguros e faz com que nós tenhamos de deixar nossas casas, nossas famílias, e ter de viver escondidos, mudar de nome, mudar de vida… Então aí a gente se pergunta: quais direitos humanos são esses dos quais tanto se fala? — questionou Celia.