A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (15) o texto-base de um projeto de lei que permite que medicamentos recomendados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), mesmo com indicação de uso diferente pela Anvisa, possam ser pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Por falta de consenso sobre o tema, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que presidia a sessão, e o deputado Rafafá (PSDB-PB), relator da matéria, decidiram adiar a votação dos destaques (sugestões de alteração na proposta). Com isso, a votação só será concluída após o recesso parlamentar, em agosto.
Criada em 2011, a Conitec assessora o Ministério da Saúde em orientações sobre uso de medicamentos e também de protocolos clínicos a serem adotados em todo o país.
Críticos à matéria temem que a mudança abra brecha para o uso político do órgão e citam episódios em que o governo Jair Bolsonaro quis aprovar medicamentos sem eficácia comprovada para o combate à Covid.
Atualmente, a legislação proíbe que o SUS pague por produto ou procedimento clínico e cirúrgico não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O projeto diz que ficam excluídos dessa proibição:
- medicamentos e produtos em que a indicação de uso seja distinta daquela aprovada no registro da Anvisa, desde que seu uso tenha sido recomendado pela Conitec, “demonstradas as evidências científicas sobre a eficácia, acurácia, a efetividade e a segurança”, e que sejam padronizados pelo Ministério da Saúde;
- medicamentos e produtos recomendados pela Conitec e adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública do Ministério da Saúde.
Ex-ministro da Saúde, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) pediu o adiamento da discussão e argumentou que o governo tem maioria para tomar as decisões do Conitec, o que pode inviabilizar discussões estritamente técnicas.
“[O projeto] Está tirando essa competência de uma agência técnica para julgar competências científicas, de produtos técnicos, e passa isso para uma comissão cujo governo de plantão tem a maioria isolada dessa comissão”, diz. “Não podemos votar a toque de caixa um projeto que entrega para o governo de plantão a decisão sobre evidências científicas.”
Também crítico à proposta, o deputado Tiago Mitraud (NOVO-MG) disse ver risco de que a Conitec seja “capturada” por interesses políticos.
“Votarmos esse projeto num momento em que claramente a presidência da República buscou interferir no uso de medicamentos no Brasil no meio da pandemia é completamente inoportuno”, disse. “Vai dar margem para toda a interpretação de que isso está sendo aprovado para o Bolsonaro poder receitar a cloroquina para a ema, como ele gosta de fazer.”
Ao longo do debate, alguns parlamentares favoráveis à matéria mudaram suas posições iniciais. Após ouvir os colegas, o próprio relator concordou em ampliar a discussão e adiar a votação.
Em seu parecer, Rafafá disse compreender “a delicadeza do tema posto, em virtude das circunstâncias que temos vivido no decorrer do último ano”, mas argumentou que o dispositivo que exige evidências científicas para as indicações ‘off-label’ [fora da indicação já prevista] “afasta quaisquer possibilidades de uso político da Comissão para a adoção de tratamentos clínicos”.
“O objetivo do texto é facultar o emprego pelo SUS de medicamentos com eficácia comprovada para uso distinto daquele previsto em seus rótulos, uma vez que não há interesse dos fabricantes em promover novos testes e modificar as bulas atuais, como preconizam as exigências regulatórias vigentes”, argumentou.
O parlamentar cita, por exemplo, que a Conitec aguarda, em alguns casos desde 2015, o aval da Anvisa para o uso pelo SUS de medicamentos cientificamente comprovados para o tratamento de imunossupressão.
Divulgação
O projeto também pretende ampliar a divulgação das regras de inclusão de novos medicamentos no SUS, especialmente as que avaliam a viabilidade econômica.
Uma lei de 1990 já diz que, para incorporação, exclusão ou alteração de remédios, produtos e procedimentos adotados na rede pública de saúde, o governo precisa considerar “evidências científicas” e a “avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias” já usadas.
A proposta determina que as metodologias empregadas, na hora de analisar a viabilidade da inclusão das novas tecnologias e os custos gerados, precisam ser definidas em um regulamento e “amplamente divulgadas”.
Pelo texto, o Ministério da Saúde terá de dar transparência “inclusive no que se refere aos indicadores e parâmetros de custo-efetividade utilizados em combinação com outros critérios”.