Profissionais da saúde apresentaram uma representação criminal neste domingo (26) ao Tribunal Penal Internacional (TPI) denunciando a atuação do presidente da República, Jair Bolsonaro, diante da pandemia do novo coronavírus.
A representação criminal é endereçada à procuradora-chefe da Corte, Fatou Bensouda, e foi protocolada por uma coalização sindical de trabalhadores da saúde. O pedido, porém, ainda precisa ser analisado e aceito. Procurada, a Advocacia-Geral da União (AGU) diz que só irá se manifestar após uma intimação.
No documento, os profissionais afirmam que o presidente cometeu crimes contra a humanidade por meio de “falhas graves e mortais na condução da pandemia de Covid-19”.
“A materialidade dos crimes cometidos está devidamente confirmada, vez que se denota do exposto que as ações e omissões do senhor Presidente da República afetam de forma grave, a saúde física e mental da população, colocando-a a situação de risco à um vírus de alta letalidade e, com capacidade de disseminação incontrolada com risco de morte ou sequelas irreversíveis. Esse comportamento irresponsável e afrontoso às orientações das autoridades internacionais de saúde, com a exposição de milhões de pessoas é crime contra a humanidade”, diz a ação.
O TPI fica em Haia, nos Países Baixos, e julga graves violações de direitos humanos, como genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.
O Brasil tem 87.052 mortes por coronavírus confirmadas até as 20h deste domingo, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias estaduais de saúde.
De acordo com reportagem da BBC, Bolsonaro já é alvo de outras quatro representações criminais no tribunal. Três delas acusam o presidente de crime contra a humanidade por sua atuação diante da crise sanitária. A outra o denuncia por “crimes contra a humanidade e atos que levam ao genocídio de comunidades indígenas e tradicionais” do país.
Há duas semanas, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reafirmou a Bolsonaro sobre o risco de o Brasil ser questionado no TPI pela política de combate ao coronavírus.
O grupo que protocolou a queixa é liderado pela Rede Sindical Brasileira UNISaúde. Segundo a organização, suas entidades filiadas representam mais de um milhão de trabalhadores da saúde de todas as regiões do país, tanto na esfera pública quanto privada, em 18 estados brasileiros mais o Distrito Federal.
“No entendimento da coalizão, há indícios de que Bolsonaro tenha cometido crime contra a humanidade durante sua gestão frente à pandemia de Covid-19, ao adotar ações negligentes e irresponsáveis, que contribuíram para as mais de 80 mil mortes pela doença no país. Trata-se da primeira ação de iniciativa dos trabalhadores da saúde na Corte Internacional”, afirmou a Rede.
Os trabalhadores citam também o fato de, em meio à pandemia, o Ministério da Saúde estar há mais de dois meses sem um titular.
Os autores da representação argumentam que Bolsonaro colocou e ainda coloca os profissionais de saúde bem como toda a população em risco, “ao promover aglomeração de seus apoiadores, aproximando-se deles sem máscara, e fazendo propaganda de medicação, como a hidroxicloroquina, para a qual não há comprovação científica de sua eficácia contra a doença”.
A representação faz os seguintes pedidos ao tribunal:
- receber a representação para abertura de procedimento investigatório do cometimento de crime contra a humanidade e consequente instauração de procedimento criminal;
- solicitar ao Governo Federal as necessárias informações quanto as denúncias feitas na ação;
- chamar o presidente Jair Bolsonaro a prestar depoimento, sob pena de confissão caso recuse;
- após o regular processamento, julgar a ação penal procedente e condenar o presidente nas penas que a Corte entender cabíveis.
O que é o TPI?
O Tribunal Penal Internacional investiga e julga indivíduos acusados de crimes que atingem uma sociedade e chocam a comunidade internacional, tais como genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão.
A Corte foi estabelecida pelo Estatuto de Roma, em julho de 1998, e entrou em vigor em julho de 2002, quando houve a adesão do 60º país. O Estatuto de Roma é um tratado internacional, obrigatório somente aos Estados que expressaram formalmente seu consentimento, como é o caso do Brasil.
Segundo o TPI, “qualquer indivíduo, grupo ou Estado pode enviar informações sobre supostos crimes sob a jurisdição do tribunal”. “Até a presente data, o TPI recebeu mais de 12 mil dessas comunicações, que podem formar a base inicial dos exames preliminares do escritório.”
“O TPI realiza um exame preliminar para decidir se existe uma base razoável para iniciar uma investigação.”