As Nações Unidas definem a violência contra as mulheres como “qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos, coação ou privação arbitrária de liberdade, seja em vida pública ou privada”.
Em nível mundial tal situação é evidenciada de forma crescente e alarmante, sendo que o Brasil figura entre um dos países com maior número de feminicídios.
Suas diferentes formas podem acompanhar a mulher ao longo de sua vida, acometer todas as classes socioculturais, além de gerar graves repercussões, impactando a saúde física, sexual, reprodutiva e mental.
Abusos físico ou sexual estão relacionados a maiores chances de gravidezes precoces, abandono escolar, prostituição, abortamento, depressão, risco de infecção por HIV e outras infecções de transmissão sexual, alcoolismo, transtornos psicológicos dentre outros.
De acordo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), de 2018, entre as crianças, as meninas são o principal alvo de violência física e sexual. Negligência e abandono são outras formas listadas, predominando como os principais agressores os familiares em quase a totalidade dos casos denunciados (97,8%) sendo as residências os locais priorizados para essas agressões (67,1%).
Na vida adulta, de acordo com o Ministério da Saúde, a agressão física, psicológica, sexual ou uma combinação delas, são as principais formas de violência contra a mulher e a doméstica a principal causa externa de óbitos femininos.
Em especial, nós ginecologistas, como médicos de mulheres, somos na maioria das vezes, os primeiros a tomar ciência dos casos de violência. Então, precisamos estar atentos para o acolhimento e decisões importantes para as situações evidenciadas.
Situações que requerem acolhimento, apoio e as orientações sobre todas as medidas necessárias para o caso. Vale ressaltar o quanto é importante a notificação judicial. Quando se trata de mulheres adultas, a notificação deve ser realizada pela própria mulher, diferente de crianças e adolescentes, quando ela é compulsória, ou seja, o profissional tem o dever de realizar a denúncia ao Conselho Tutelar ou outro órgão competente. Em crianças e adolescentes, a suspeita de violência não se restringe somente a queixa ou marcas visíveis no corpo, em algumas situações podem estar disfarçadas em sintomas variados, como ansiedade, dor crônica sem explicação, infecções sexualmente transmissíveis, dentre outras.
Marketing para o Natal: competindo com gigantes
Segundo dados da nossa Federação Brasileira de Ginecologistas e Obstetras (FEBRASGO) o Brasil teve mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022 e estudos apontam que mulheres em situação de violência procuram ajuda de profissionais de saúde 35 vezes mais do que apresentam queixas à Secretaria de Segurança Pública. Essa subnotificação dificulta a responsabilização dos abusadores e perpetua o processo da violência.
Muitos são os motivos apontados como justificativas para a não notificação: medo, vergonha de se expor, dependência financeira do companheiro, sentimento de culpa, não confiança na justiça e medo da violência institucional, são os principais. Outros como a dependência afetiva, receio de possíveis novas agressões, vergonha de expor seus familiares e ausência de apoio familiar para denunciar o agressor também são citados.
Vários são os desafios a serem superados para o controle da violência contra as mulheres. Um deles é a ampliação e capacitação de todos os profissionais que fazem parte da rede de atendimento, visando melhorar o processo de acolhimento, livre de julgamentos ou valores morais na condução dos casos atendidos. Outro desafio diz respeito à consolidação e articulação das instituições envolvidas: saúde, justiça, segurança pública e assistência social, no sentido da quantidade, qualidade, reconhecimento mútuo e homogeneidade de conduta.
É necessário criar políticas públicas que inviabilizam o fenômeno da violência contra mulher, promover ações que possibilitem informar a população feminina dos seus direitos, implementar a sensibilização e a educação não só na área da saúde, mas em todos os setores envolvidos, demonstrando ser a violência uma questão histórica onde a mulher é colocada como submissa em relação ao homem por questão essencialmente de construção social.
*Zuleide Cabral é Médica ginecologista, Doutora em Medicina, Professora da Faculdade de Medicina do UNIVAG, Vice-presidente da Comissão Nacional especializada Infanto Juvenil da FEBRASGO.